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Por Ainah Hohenfeld Angelini Neta. 

A ideia de responsabilidade é uma consequência das relações sociais na contemporaneidade, no sentido de tornar o sujeito responsável por suas condutas. Nas relações familiares essa ideia de responsabilidade se torna ainda mais evidente e crucial para a preservação dos laços familiares e para a realização da dignidade dos membros da entidade familiar.

Ocorre que, a aplicação da responsabilidade civil no direito de família, ou seja, a possibilidade de indenização pelo descumprimento dos deveres impostos aos membros da família, é discussão ainda bastante recente na sociedade brasileira, provocando, naturalmente, muitas dúvidas. No entanto, a evolução doutrinária e jurisprudencial tem permitido a compreensão de que as funções familiares constituem verdadeiros direitos-deveres, e a sua inobservância pode acarretar sim dano de ordem existencial para os sujeitos envolvidos.

Neste sentido, nas relações familiares algumas situações podem ensejar danos morais ou materiais, dentre elas, “as sevícias, as ofensas morais e físicas, as injúrias graves praticadas por um cônjuge contra o outro, a transmissão e contágio de doenças graves, às vezes letais, o abandono material e moral do companheiro, o abandono material e moral do pai pelo filho, a recusa no reconhecimento da paternidade, a negação de alimentos, a difamação, perecimento, extinção ou ocultação de bens a partilhar, são alguns exemplos dessa seara.”[1]

Assim, seria possível a aplicação da responsabilidade civil tanto nas relações conjugais como nas relações paterno-filiais.

No primeiro caso, qual seja, a possibilidade de incidência da responsabilidade civil sobre as relações conjugais, diverge a doutrina sobre as situações que permitiriam de fato direito à indenização. Há quem sustente a possibilidade de ocorrência de dano moral apenas em face do descumprimento dos deveres conjugais previstos no art. 1.566 do Código Civil, o que permitiria uma indenização ao cônjuge traído, por exemplo.

No entanto, alguns dos deveres arrolados no art. 1.566, inclusive o dever de fidelidade, são hoje seriamente questionados.

Na verdade, a instituição de deveres conjugais atendia a um arcabouço jurídico que já não mais existe, centrado na família patriarcal e matrimonializada. A partir do redimensionamento da família feito pela Constituição de 1988, a maior parte desses deveres conjugais perdeu o sentido.

O mero descumprimento desses deveres não ensejaria, portanto, a obrigação de reparação. Na verdade, verificada a falência conjugal o caminho adequado seria a dissolução mesmo do vínculo matrimonial.

Por outro lado, seria possível a possibilidade a ocorrência de dano moral nas relações conjugais somente nas hipóteses que se enquadrem na teoria geral da responsabilidade civil, não havendo vinculação direta com o descumprimento dos deveres conjugais. Assim, seria necessário verificar apenas a existência de dano existencial a ser tutelado. Exemplificando: a mera traição não ensejaria dano moral, mas se essa traição expuser o cônjuge traído (fotos com  a/o amante nas redes sociais, etc), seria possível a aplicação da responsabilidade civil.

No que tange às relações paterno-filiais, a responsabilidade civil segue como possibilidade de sanção para o descumprimento da obrigação parental de cuidado e convivência com relação aos filhos.

No ano de 2012, pela primeira vez o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela possibilidade de responsabilização por dano moral em caso de descumprimento do dever de convivência, criando, assim, um importante precedente para essa temática tão controvertida no direito brasileiro. Vale dizer que se trata de decisão inovadora, que alterou, inclusive, o entendimento até então predominante da própria Corte.

Assim, entendeu-se pela existência de um dever jurídico imposto aos pais de cuidado e convivência com relação aos seus filhos. Desse modo, os filhos têm o direito a convivência com seus pais. E vale dizer que não basta meramente prover o sustento e educação, mas é preciso garantir a convivência dos filhos com os pais, entendendo-se essa convivência como fundamental para a formação da personalidade do indivíduo.

Constatando-se o descumprimento desse dever jurídico imposto aos pais de cuidado, assistência e convivência com seus filhos, impõe-se o dever de indenizar para o genitor faltoso.

De toda sorte, percebe-se, pois, que a aplicação da responsabilidade civil no direito de família é uma resposta importante para o descumprimento dos deveres juridicamente tutelados, configurando, muitas vezes, a única sanção possível para violação das normas que permeiam algumas relações familiares.

[1] MIGUEL, Alexandre. A responsabilidade civil no novo Código Civil: algumas considerações. In: NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson (Org.). Responsabilidade civil: teoria geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 1, cap. 17, p. 491.