Confira, a seguir, dez tendências e discussões caras ao Direito das Famílias e das Sucessões que devem dominar as atenções ao longo de 2021:
Combate ao feminicídio e à violência contra a mulher
O ano de 2020 terminou com uma onda de casos de feminicídio que chocaram o país. As notícias revelaram como a mulher ainda ocupa um lugar vulnerável e está suscetível às várias formas de violência, inclusive doméstica e familiar, mesmo após a promulgação da Lei 13.104/2015, que trata especificamente sobre o feminicídio.
Marco na luta pelas mulheres, a Lei Maria da Penha (11.340/2006), que completa 14 anos em agosto, segue em constante atualização e aprimoramento. No ano passado, novas normas acresceram à legislação, algo que deve se manter na pauta em 2021, o que pode ser um caminho para o enfrentamento do problema.
De acordo com a coluna Radar, da Veja, mais de 80 projetos sobre o tema tramitam na Câmara dos Deputados. Entre as propostas, há o aumento de pena para os crimes contra a mulher, um plano nacional de prevenção, a criação de um instituto nacional para os condenados e o pagamento de aluguel social para famílias das vítimas.
Vidas negras importam
O racismo também foi escancarado no Brasil e no mundo ao longo de 2020. Os protestos contra a discriminação, o preconceito e o extermínio das populações negras se intensificaram em maio, após George Floyd ser assassinado por policiais brancos nos EUA. Por aqui, entre vários outros casos, João Alberto Silveira Freitas foi morto por seguranças em um supermercado de Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra.
O movimento Vidas Negras Importam e o combate ao racismo estrutural precisam se manter entre as tendências para 2021, com ações afirmativas e formas de garantir a efetividade das leis já existentes. Além disso, segue no Senado Federal, entre outras propostas, o Projeto de Lei 4.373/2020, que altera o Código Penal e a Lei de Crimes Raciais (Lei 7.716/1989) para tipificar casos de injúria racial como crimes de racismo.
De acordo com o texto, o racismo praticado mediante injúria pode, atualmente, ser desclassificado e beneficiado com fiança, prescrição e até mesmo a suspensão condicional da pena. Se o projeto de lei for aprovado, a pena passaria a ser imprescritível e inafiançável.
Diversidade de gênero
Em novembro do ano passado, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, retirou da pauta a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.668, que trata da abordagem da diversidade de gênero e orientação sexual nas escolas. O tema também é tratado nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPFs 462, 522 e 578; esta última tem o IBDFAM como amicus curiae.
A ADI 5.668 demanda que o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) seja interpretado conforme a Constituição Federal, reconhecendo o dever das escolas públicas e particulares de prevenir e coibir discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual, bem como de respeitar a identidade de crianças e adolescentes LGBT no ambiente escolar.
Já as ADPFs 462, 552 e 578 tratam de legislações inspiradas no Escola Sem Partido nos municípios de Blumenau, Petrolina e Garanhuns e Santa Cruz de Monte Castelo, respectivamente. Após críticas por parte de grupos conservadores, o julgamento conjunto sobre o tema saiu do calendário do STF, mas deverá figurar entre as preocupações da Corte ao longo deste ano.
Alienação parental
As tentativas de revogação da Lei 12.318/2010, que trata da alienação parental, também não devem esmorecer. Um projeto de lei (PLS 498/2018), que ainda aguarda designação do relator, quer a revogação da norma e outras três propostas (PL 10.182/2018, PL 10.402/2018 e PL 10.712/2018) pedem sua modificação.
Atento à discussão, o IBDFAM realizou pesquisa entre seus membros para se dedicar, em 2021, a um programa com sugestões de manutenção e aprimoramento da norma. Os resultados serão divulgados em breve. Há pelo menos três anos, o Instituto tem participado ativamente do debate.
Considera-se ato de alienação parental, nos termos da referida lei, a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância na tentativa de fazer com que o menor não estabeleça vínculos com um de seus genitores.
Divórcio impositivo
Tema que também ainda não está pacificado, o divórcio impositivo teve avanços no âmbito do Poder Judiciário no ano que findou. Foram várias as decisões dando conta do direito potestativo que é a separação, independentemente da vontade do outro cônjuge. Ainda assim, alguns magistrados se mostram resistentes em atender tais demandas.
Há dois meses, o IBDFAM noticiou que uma mulher precisou recorrer ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC após o juízo de primeiro grau negar seu pedido de divórcio. A desembargadora responsável pelo caso atendeu a fundamentos da Constituição Federal, do Código Civil e da Emenda Constitucional 66/2010, formulada em parceria com o IBDFAM.
“Conforme as razões recursais, o divórcio é um direito potestativo e, portanto, pode ser exercido por tão somente um dos cônjuges, independentemente de autorização do outro, ou seja, não há que se falar em oposição ou necessidade de contraditório para viabilizá-lo. Ademais, a citação do recorrido terá função tão somente de cientificá-lo a respeito da propositura do pedido, não lhe cabendo oposição ao pedido final”, destacou a magistrada.
Tutela dos animais de estimação
As discussões sobre o lugar dos animais de estimação no Direito das Famílias ainda não se esgotaram. Tema da mais recente edição da Revista Informativa do IBDFAM, as famílias multiespécies ainda enfrentam desafios. Em 2020, entraram em vigor leis em prol dos animais, mas situações como a guarda compartilhada de pets e a judicialização dessas questões ainda dividem opiniões entre especialistas.
Em dezembro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS decidiu que é do juízo da Vara de Família a competência material para resolver conflitos envolvendo custódia de animais de estimação adquiridos pelas partes no curso da união estável por elas vivida. A 1ª Vara de Família do Foro Regional do Alto Petrópolis havia entendido que o feito não envolve matéria da competência das Varas de Família, razão pela qual suscitou o conflito.
Vacinação compulsória
A maioria do STF decidiu em dezembro que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação. A Corte enfocou a Covid-19, a partir das previsões da Lei 13.979/2020 que vinham sendo questionadas, mas atendeu também ao crescente movimento antivacina no Brasil, anterior a este momento de pandemia.
A origem do julgamento foi um caso ocorrido em São Paulo, em que pais veganos se negavam a vacinar o filho. Eles argumentaram que o menino é saudável, faz acompanhamento médico, o que afastaria a alegação de negligência, uma vez que a escolha pela não vacinação é ideológica.
A tese fixada pelo Supremo foi de que a obrigatoriedade não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar. Frisou-se ainda que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, mas poderá acarretar medidas indiretas e restrições ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares. Com o movimento antivacina perdurante em meio à pandemia do Coronavírus, a discussão tende a adentrar 2021.
Sucessão do companheiro
O reconhecimento de uniões estáveis está entre as demandas relacionadas ao Direito das Famílias que chegam ao Judiciário. Em 2020, foram vários os casos de pessoas que conseguiram comprovar seus vínculos afetivos para fins sucessórios, mas o tema ainda está longe de um consenso.
Divergências sobre a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que diferencia cônjuge e companheiro na ordem sucessória, foram superadas pelo STF em 2017, em sede de repercussão geral, com a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo. Lacunas acerca desse julgamento persistem e devem voltar à baila nos próximos meses.
Mediação familiar
Nos últimos anos, cresceu a busca por métodos consensuais de solução de conflitos, especialmente no âmbito do Direito das Famílias. Técnicas de mediação, conciliação e arbitragem servem não só à celeridade da resolução dos casos como também evitam a judicialização de situações de menor gravidade, desafogando o Poder Judiciário.
Em 2021, o IBDFAM abrirá matrículas para o seu novo curso de pós-graduação lato sensu em Mediação Familiar, disponibilizado futuramente na plataforma IBDFAM Educacional. O objetivo é, com base na interdisciplinaridade, difundir os benefícios dessa prática entre os profissionais da área, a fim de se evitar litígios demorados e onerosos.
Crianças Invisíveis
O IBDFAM seguirá o ano com ações de seu projeto Crianças Invisíveis. Segundo levantamento divulgado em setembro pelo portal G1, com dados obtidos junto ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, as adoções caíram pela metade no primeiro semestre de 2020. Foram 731 realizadas de janeiro a junho, contra 1.423 no mesmo período em 2019, uma queda de 49%.
Também ao longo do ano que passou, chegaram à Justiça diversas ações de responsabilização civil por conta da desistência no processo de adoção após o início do estágio de convivência. Há quem admita a necessidade de indenização pelo dano moral sofrido pela criança ou adolescente. Por outro lado, tais decisões judiciais podem distanciar ou mesmo amedrontar adultos que desejam ingressar em um processo de adoção.
O tema divide opiniões entre especialistas e deve permanecer em discussão em 2021, bem como várias outras questões envolvendo as crianças institucionalizadas, à espera de adoção e sem perspectiva de chegar ao seio de novas famílias, situação que atenta aos direitos constitucionais e previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.