Na sexta-feira, 23 de agosto, o desembargador federal da 2ª região e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Guilherme Calmon, esteve em Belo Horizonte para participar do seminário “Responsabilidade Civil nos Tribunais”, realizado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes -EJEF, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG.

No seminário, Guilherme Calmon abordou a “Responsabilidade civil na parentalidade” e, na sequência, em entrevista ao Boletim Informativo do IBDFAM, comentou sobre a responsabilidade civil e outras questões do direito das famílias

Confira a entrevista.

Esse tema de responsabilidade civil no âmbito de família com relação a abandono afetivo gera divergência de posicionamento. Como o senhor analisa essa questão?

No Brasil, e em outros países, ainda não há uma orientação consolidada sobre se há ou não responsabilidade civil por dano moral em razão de abandono afetivo. Na minha exposição, eu tentei deixar claro que nós temos duas orientações que, no Brasil, têm sido normalmente adotadas, uma negando o direito da reparação de dano por abandono afetivo e outra reconhecendo. A que nega basicamente segue a linha de que o afeto, o amor não poderia ser monetarizado. Quer dizer, não poderia servir para algo que seria patrimonial como, por exemplo, um valor de reparação de dano de 50 ou 100 mil reais a título de reparação de um abandono afetivo. A segunda corrente, ao contrário, sustenta que não é caso de monetarização. O que acontece é que há uma violação a um dever de cuidado relacionado à imposição constitucional quanto aos pais no que tange a criação, educação e formação dos seus filhos menores, e por isso não é um dever moral mas sim um dever jurídico. Aquele pai que depois de ter-se casado por uma segunda vez deixa de lado o seu filho do primeiro casamento, não mais querendo vê-lo, ter contato ou conviver com o seu filho, esse pai pode sim estar causando um dano moral gravíssimo em relação ao seu filho. Por isso, a segunda corrente defende a reparação por força desse dano gravíssimo. É lógico que essa não deve ser a melhor solução para o caso, mas sim através de alguns mecanismos, como hoje a técnica de mediação, permitir que esse pai se conscientize do mal que ele está causando para o seu filho para voltar a restabelecer uma convivência com ele. Mas, em muitos casos, isso não é possível. Não sendo possível, a solução vai ser a reparação do dano moral.

 

O que o senhor tem a dizer sobre o abandono afetivo inverso? Gera alguma responsabilidade civil?

A hipótese também pode configurar responsabilidade civil, mas a título excepcional porque o próprio texto constitucional de 1988 estabelece que os filhos maiores também têm o dever de assistir e amparar os seus pais idosos, na velhice ou por algum motivo muito doentes, mesmo não tão idosos, mas muito doentes por causa de alguma doença que eles vieram a contrair. O próprio texto constitucional, ao estabelecer essa regra, também impõe aos filhos maiores que haja um dever jurídico perante seus pais com alguma hipótese de maior vulnerabilidade. Nessa hipótese, também há a possibilidade de reconhecer dano moral exatamente por negligenciar ou por não cumprir os deveres jurídicos que a própria Constituição estabelece. Mas a gente sabe que, nesse caso, se trata entre relações de pessoas adultas, ainda que uma delas possa até já estar em uma situação de maior vulnerabilidade. Em regra, a princípio isso não geraria em se tratando de pessoas simétricas, em situações iguais. Essa hipótese infelizmente, tal como acontece em outras, faz parte da vida, um não gostar do outro, não querer mais ver o outro. Então, normalmente isso não vai configurar responsabilidade civil por dano moral.

 

Quais os pressupostos por gerar responsabilidade civil por abandono paterno filial?

Nessas hipóteses nós vamos ter quatro elementos que normalmente vão ser identificados: a conduta do pai ou eventualmente da mãe; a culpa, que é um elemento da responsabilidade civil subjetiva, então ele precisa ter agido de modo intencional ou sido pelo menos negligente com relação ao dever que ele deveria praticar; o dano, que é exatamente a violação à integridade psico-física daquela criança ou adolescente, portanto ele em razão de ter sido abandonado passa a ter problemas de ordem psíquica ou de, muitas vezes, de ordem material; e, finalmente, o quarto elemento que é o nexo de causalidade, quer dizer, esse dano ser decorrente dessa conduta culposa. Então os quatro elementos são a conduta, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

 

Qual o prazo prescricional para reparação por abandono afetivo na parentalidade?

Esse é um tema que o Superior Tribunal de Justiça definiu, recentemente, em um caso concreto que seria a partir do momento em que se adquiriu a maioridade civil haveria o início da contagem do prazo de três anos, que é o prazo prescricional previsto no Código Civil para as pretensões de reparação de dano. A partir da maioridade civil haveria três anos a contar daí para ajuizamento da ação em razão dos danos sofridos durante o período da infância e da juventude. É preciso ter um certo cuidado quanto a isso porque em alguns casos esse dano se perpetua, se prolonga no tempo. Então, não necessariamente ele teria cessado, por exemplo, no momento em que se atingiu os 18 anos de idade. Por isso, tem que haver um certo cuidado porque pode caracterizar o abandono como ainda estando ocorrendo, e aí ele só vai iniciar o prazo em relação à reparação do dano por abandono afetivo quando a princípio teria havido o restabelecimento de uma relação ou o rompimento completo. E aí então cessado esse relacionamento, três anos a contar desta data.

 

A teoria da perda de uma chance pode ser usada para reparação por abandono afetivo?

Aí nós estaríamos combinando dois institutos que são bastante polêmicos no Direito, que são a perda da chance como fundamento da responsabilidade civil e, ao mesmo tempo, o abandono afetivo como também uma hipótese de responsabilidade civil. Na realidade me parece, ainda pensando de modo muito superficial, não ainda de modo mais aprofundado, a princípio poderia haver alguma relação do abandono afetivo com base na perda da chance. Como, por exemplo, da criança ou do adolescente ter tido condições até por força do seu cuidado, que teria que ter sido observado pelo seu pai, poderia se desenvolver e, por exemplo, assumir uma condição boa na sua vida até em razão dos relacionamentos que passa a ter, da profissão que vão exercer. Quando, ao contrário, ela não teve esse cuidado concretamente no caso que ela se inseriu e isso permitiu que ela não pudesse obter essas vantagens que obteria caso tivesse havido cumprimento do dever de cuidado. Mas me parece que precisamos refletir um pouco mais sobre a vinculação da perda da chance e do tema do abandono afetivo.

 

Como combater o argumento de que ninguém é obrigado a amar ninguém nesses casos?

A hipótese não é um dever de amar, mas sim um dever de cuidar. E esse dever de cuidar ele é jurídico. Então esse argumento de que não existe uma obrigação dos pais amarem os seus filhos, ou vice-versa, não é um argumento que nós utilizamos para a responsabilidade civil por abandono afetivo. Mas sim a ideia de que há uma violação ao dever de cuidado que é previsto no plano da Constituição e no plano infraconstitucional e que deve ser observado por aqueles que são os pais que devem cuidar dos seus filhos. Então o não cumprimento do dever de cuidado caracteriza exatamente o fundamento da responsabilidade civil por abandono afetivo.

 

É possível reparação civil nos casos de alienação parental?

A Lei de Alienação Parental expressamente prevê hipóteses de responsabilidade civil exatamente por ato de alienação parental praticado por um dos genitores ou até eventualmente por alguém que tenha uma relação muito próxima com a criança de modo a afastá-la do convívio e do contato com o outro genitor. Então nesse caso, além das consequências que a própria lei já prevê, como, por exemplo, a mudança da guarda, retirar a guarda daquele que foi o autor da alienação parental para transferir para o outro genitor, e efeitos que a própria lei prevê no campo de direito de família, ela também expressamente estabelece que isso não vai excluir a responsabilidade civil daquele que praticou ato de alienação parental. E normalmente são atos que geram traumas e problemas muito sérios para a criança e também para o outro genitor que foi vítima da alienação parental. Então, nesse caso, haveria um duplo fundamento de responsabilidade civil, em favor da criança e do outro genitor que também sofreu efeitos maléficos diante da alienação parental praticada por aquele outro.

 

Fonte: ibdfam