Por Ainah Hohenfeld Angelini Neta.
O art. 1.790 do Código Civil estabelece um regime sucessório diferenciado para os companheiros em comparação aos cônjuges e vem sendo objeto de muitas discussões desde a promulgação do mencionado Código em 2002.
Vale lembrar que no direito brasileiro a união estável somente foi reconhecida como entidade familiar a partir da Constituição Federal de 1988, ao dispor que para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Hoje estendemos esse conceito para a união entre duas pessoas, independente de orientação sexual.
Pois bem, em 1994 foi promulgada a Lei n. 8.971 que conferiu ao companheiro o direito a alimentos e à sucessão. Depois, em 1996, a Lei n. 9.278 conferiu ao companheiro o direito real de habitação em condições muito semelhantes às dos cônjuges.
Percebe-se, pois, que tanto a Constituição de 1988, quanto as Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, caminharam no sentido de elevar cônjuges e companheiros a um patamar de igualdade em matéria de ordem sucessória. No entanto, injustificadamente, o Código Civil de 2002, ao dispor sobre a sucessão dos companheiros e dos cônjuges, “prevê formas de sucessão muito diferentes para esses dois institutos familiares, situação essa, que por vezes, coloca o companheiro sobrevivente em posição de significativa inferioridade em relação ao cônjuge supérstite.”
O artigo 1.838 do Código Civil, ao tratar da ordem de vocação hereditária, dispõe que “em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”, enquanto que o companheiro sobrevivente, mesmo que não haja descendentes ou ascendentes, não fica com a totalidade da herança, tendo que dividi-la com os colaterais, conforme dispõe o inciso III, do artigo 1.790, do referido Diploma Civil.
E mais, o companheiro sobrevivente só participa da sucessão com relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, ou seja, os bens particulares, que são aqueles adquiridos antes da união, não podem ser herdados pelo companheiro em caso de existência de descendentes, ascendentes ou colaterais. O mesmo não se aplica aos cônjuges…
Por obvio que esse tratamento díspar em relação à sucessão do companheiro passou a sofrer fortes críticas no universo jurídico. Os Tribunais e a doutrina vêm travando discussões a respeito da possível inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil. A questão finalmente chegou ao Supremo Tribunal Federal que reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário n. 878694 em maio de 2015 sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso. E em sessão realizada no último dia 31/08/2016 o Relator deu provimento ao recurso, sendo acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Mas como houve pedido de vista dos autos pelo Ministro Dias Toffoli, ainda não temos a definição da questão, mas, considerando o voto do Relator e os votos dos demais Ministros que o acompanharam, podemos dizer que estamos a um passo do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Aguardemos!!!