“Retrógrada e totalmente fora de propósito. Um verdadeiro retrocesso”. É assim que Patrícia Gorisch, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), define a Portaria 158 (de 2016) do Ministério da Saúde, que, a exemplo da Resolução da Diretoria Colegiada 34 (de 2014) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), impossibilita homens homossexuais e bissexuais de doarem sangue. A própria Gorisch representará o IBDFAM – a entidade é amicus curiae no caso – no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543, que ocorrerá nesta quinta-feira (19), no Supremo Tribunal Federal (STF). A ADI vai justamente de encontro à Portaria e à Resolução.
O impedimento também abrange mulheres que mantiveram relações com homens bissexuais nos últimos doze (12) meses. “O IBDFAM acredita que isso fere a dignidade da pessoa humana, fere o direito fundamental da igualdade, fere o princípio da proporcionalidade. Acreditamos que esse tipo de regulamentação causa retrocesso na própria sociedade”, explica Patrícia Gorisch. A especialista em Direito Homoafetivo e de Família continua: “Temos como lema o combate à LGBTIfobia. E quando a gente vê o próprio Estado proporcionando LGBTIfobia, ficamos bastante preocupados, porque esse mal passa a ser institucionalizado. O Estado parte do pressuposto que todos os homens gays são doentes. Essa é a nossa preocupação”.
Para ela, esse cerceamento é sintoma de descuido: “A minha grande preocupação é: se eles partem desse pressuposto [de que todo homem gay é doente], é sinal de que eles não fazem os testes que são adequados”, diz. A especialista garante que o número de infecções registradas entre 1980 e 2015 é maior entre os heterossexuais do que entre homossexuais e bissexuais juntos. “É um dado alarmante. Não há um rigor científico, é exclusivamente discriminatório [o cerceamento do direito de doar sangue]. A gente tem o número de infecções registradas entre heterossexuais que passa dos 50% dos casos notificados, enquanto homossexuais e bissexuais, que são justamente as duas faixas atingidas pela Portaria, somam 47%”.
Gorisch apresenta mais dados. Por conta dessa proibição, conforme a especialista, são jogados no lixo 18 milhões de litros de sangue. “Sendo que cada doador pode doar até para quatro pessoas. Ou seja: é um despropósito termos esse tipo de Resolução, de Portaria, que acaba reafirmando questões que combatemos, como a discriminação”, reforça. Relator da matéria, o Ministro Edson Fachin, do STF, afirmou – em despacho publicado em abril deste ano – que a ação está apta para ser incluída na pauta de julgamentos do plenário desde setembro do ano passado, “inexistindo ato decisório obstativo de tal inclusão”.
“É algo para refletirmos”
Patrícia Gorisch conta que, de acordo com o Observatório Nacional de Segurança Viária, o Brasil é campeão mundial de acidentes de trânsito, com custo social (calculado em 2015) de 60 bilhões de reais. Ela prossegue: “Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 41 mil pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito nas estradas brasileiras, em 2013. Em 2014, 160 mil indenizações do DPVAT foram pagas a vítimas de acidente”. Diante de um fluxo tão grande de pessoas que necessitam de sangue, será que vale a pena levar adiante a proibição? “É algo para refletirmos”, finaliza a especialista.