A Lei 13.871/2019, sancionada nesta quarta-feira (18), responsabiliza o autor de violência doméstica e familiar pelos custos decorrentes dos serviços prestados às vítimas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A norma altera a Lei Maria da Penha (11.340/2006).

Caberá ao agressor, ainda, arcar com os dispositivos de segurança necessários para a pessoa agredida. O ressarcimento não configura atenuante ou enseja possibilidade de substituição da pena aplicada ao agressor. A lei deve entrar em vigor em 45 dias.

A jurisprudência já registrava casos em que o autor da agressão era obrigado a ressarcir financeiramente a vítima. Com os novos artigos, o agressor também prestará contas com o Estado. Nota-se, afinal, que a nova medida visa uma penalidade mais severa, mas em pouco contribui à defesa ou assistência da pessoa vítima de violência.

É o que defende Adélia Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “A lei beneficia o governo (com o retorno aos cofres públicos, por meio do pagamento ao SUS) e não tanto a vítima. Quanto ao ressarcimento dos danos morais e materiais, já são há muito tempo previsto em lei”, comenta a advogada.

O Código de Processo Penal prevê, em seu artigo 387, inciso IV, que o juiz, ao proferir sentença condenatória, “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

Ressarcimento à vítima depende de assessoria jurídica

“Essa previsão de que a sentença condenatória contenha indenização por danos à vítima já existe há muito tempo. Mas, para isso, a vítima precisa ter assegurada a assistência de um advogado”, afirma Adélia Pessoa.

Ela explica que a fixação do ressarcimento, na sentença, depende de pedido a ser feito pela assistência jurídica da vítima de violência doméstica. Em seu artigo 27, a Lei Maria da Penha exige que a vítima seja acompanhada de um defensor, em audiência.

“Quantas vítimas contam com assistência jurídica no Brasil? Quantas decisões condenatórias estabeleceram o ressarcimento das vítimas no Brasil? Não existem números cientificamente levantados, mas não temos visto isso na prática”, atenta Adélia.

Assegurar que o inteiro teor da legislação seja cumprido ainda é um desafio, segundo a advogada. “Há a necessidade de capacitação de todos os operadores do Direito. Já existe uma série de garantias, mas que muitas vezes não são atendidas no dia a dia das mulheres, especialmente as mais vulnerabilizadas”, defende Adélia.

“Temos muitas leis que se repetem, na medida de sua ineficácia”, diz. Em contraponto, ela afirma que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) segue operando na efetiva assistência à vítima de violência doméstica e familiar. Em decisão recente, a 6ª Turma do colegiado determinou que o INSS arque com o afastamento, no trabalho, da mulher ameaçada. Segundo o relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz, a situação se equipara à enfermidade, que justifica o auxílio-doença previsto pela Constituição Federal.

Lei sancionada opera pela responsabilidade do agressor

Para Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFAM, a lei publicada nesta quarta-feira é acertada na medida em que responsabiliza o autor da violência pelas consequências de seu ato. “Para que haja a imposição do dever de indenizar, deve haver uma atuação lesiva que seja considerada contrária ao direito, ilícita ou antijurídica, como ocorre nos casos de violência doméstica familiar”, defende.

“Os limites da responsabilidade do sujeito são objeto de preocupação e regulamentação do Direito Civil, cuja pergunta o acompanha desde a sua origem. Afinal, qual o limite da responsabilidade do sujeito? Desde quando ele passa a ser responsabilizado pelos seus atos? A razão da existência do Direito reside exatamente em colocar limite e responsabilizar os sujeitos para que seja possível o convívio e a organização social”, justifica o presidente.

“A ideia atual de responsabilidade não busca apenas a reparação para os atos do passado, mas também cumprir os deveres éticos, voltados para o futuro. Além de princípio, a responsabilidade é também regra jurídica. Nada mais que justo o agressor assumir essa responsabilidade. Além é claro do viés pedagógico”, completa o advogado.