Nos últimos 20 anos, houve uma redução de mais de 24% no número de mulheres que adotam o sobrenome do marido depois do casamento, conforme dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – Arpen-Brasil. Em 2002, 59,2% das mulheres faziam essa opção. Já em 2010, o porcentual era de 52,5%.

Em São Paulo, a quantidade de mulheres que escolhem adotar o sobrenome de companheiros em casamentos heteroafetivos passou de 82,2% em 2002, para 57,3% em 2021.

Ainda conforme o levantamento, a adoção do sobrenome da mulher pelo homem, novidade introduzida pelo Código Civil, ainda não é muito procurada. Em 2021, apenas 0,7% dos noivos optou por esta alternativa.

Outra possibilidade, a mudança dos sobrenomes por ambos os cônjuges também não é muito procurada. Em 2014, esta foi a opção em 13,8% das cerimônias, já no ano passado, o número caiu para 7,7%.

Incapacidade civil

Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Notários e Registradores do IBDFAM, explica que a adoção pela mulher do sobrenome de seu marido é um dos elementos que caracterizavam e eram imprescindíveis para a sustentação da família no modelo patriarcal. “O objetivo sempre foi claro e expresso: manter a família subjugada ao homem.”

A especialista destaca que a prática, tanto quanto a condição de incapacidade civil da mulher, era naturalmente assimilada pela sociedade. “Homens se sentiam empoderados por terem sob seu jugo ‘sua mulher’ e filhos, enquanto estes orgulhavam-se de assinar e ostentar o sobrenome do patriarca.”

“E assim, não obstante insatisfações pontuais, a família patriarcal caracterizou quase todas as comunidades ocidentais desde o início da Era Cristã, até ser mais duramente questionada a partir do século XX, que foi marcado por movimentos sociais e culturais de libertação feminina e de defesa dos direitos humanos igualitários, proporcionando a pluralização dos conceitos de família”, lembra.

Segundo Márcia, o reconhecimento das diversas conformações conjugais e de relações de parentesco trouxe para o sistema normativo brasileiro a vida real e os anseios sociais de inclusão e de liberdade afetiva. “Todos esses movimentos desaguaram na Constituição Federal de 1988, também chamada de ‘Constituição Democrática’ e ‘Constituição Cidadã’, justamente por espelhar o espírito da igualdade, da inclusão e do respeito às liberdades individuais.”

Igualdade

Márcia Fidelis entende que a Nova Ordem Constitucional não corrobora as características exclusivistas e discriminatórias da família tradicional. Uma das consequências imediatas, segundo ela, foi reforçar, pelo princípio da igualdade entre homens e mulheres, as disposições da Lei do Divórcio que tornaram facultativa a alteração do sobrenome da mulher, quando do casamento, para incluir sobrenome do marido.

“Nessa mesma direção, o Código Civil de 2002 ampliou para o homem o mesmo direito, de acrescer aos seus o sobrenome de sua esposa. Pelo ordenamento jurídico em vigor, não há mais motivos para analisar a alteração de nomes quando do casamento pelos parâmetros do patriarcalismo”, observa a especialista.

Márcia avalia, contudo, que a mudança paradigmática legalmente alicerçada ainda não foi suficiente para restituir ao convívio social o sentimento de igualdade entre homens e mulheres. “Há um abismo cultural estrutural, que distancia as pessoas pelo gênero e esse distanciamento ainda está muito vivo na educação dos filhos, nas relações de trabalho, na rotina diária das pessoas.”

“Muitas mulheres, ainda hoje, pensam que somente estarão totalmente casadas se forem cumpridas todas as tradições vividas pelas gerações anteriores. E isso é ensinado até de forma indireta, desde a infância”, reconhece.

Modelo patriarcal

De acordo com a especialista, os números demonstram uma queda significativa nas alterações de nome após a concretização do Estado Democrático de Direito, fruto da Constituição da República, de 1988. “A ampliação desse direito ao homem não teve o condão de acelerar o fim dos resquícios patriarcais que estruturam a sociedade contemporânea, mesmo já na terceira década do século XXI.”

“Por mais que já exista o sentimento de união e compartilhamento de um sobrenome como sendo algo que identifique o grupo familiar sem hierarquização, ele ainda é muito frágil perto do sólido, robusto, longevo e estrutural aguilhoamento patriarcal. A diminuição da alteração dos nomes pelas mulheres não é proporcional ao seu aumento pelos homens. Isso pode refletir uma tendência futura de cessão, ou seja, é provável que essa conduta seja descontinuada na prática e, possivelmente, em um futuro mais distante, ser excluída da lei”, aposta.

Ela acrescenta: “Podemos estar vivendo uma fase de transição, em uma tentativa de adaptar essa prática à pluralidade das vivências familiares atuais e à igualdade de gênero. Contudo, ao que tudo indica, a tendência é que as pessoas prefiram manter seus nomes como são, refletindo a sua individualidade, valendo-se de outros mecanismos para refletir seus afetos, suas ligações pessoais”.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Revista Exame e da Arpen-SP)