No primeiro caso, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) autorizou a transferência de uma travesti para um presídio feminino. A ré é acusada de ter assassinado outra travesti, em abril de 2017. Desde então ela está presa em uma penitenciária masculina.

Na decisão, o juiz Antonio Dantas de Oliveira Júnior, ao liberar a transferência, afirmou que “os direitos humanos precisam sair do papel e serem cumpridos, é que o discurso, por si só, é um natimorto”.

Já o segundo caso envolve uma transexual segundo-sargento da Marinha. Ela pediu que o seu nome social fosse aceito na carteira de identidade funcional e nos assentamentos. Em 2014, ela foi afastada do seu cargo sob a alegação de incapacidade temporária após ter sido diagnosticada com “transexualismo e dislipidemia mista (altos níveis de colesterol e triglicéridos no sangue)”. Com um laudo de incapacidade definitiva, a Marinha deu início, no ano passado, a um processo de reforma compulsória da transexual.

A segundo-sargento, com mais de 20 anos na Marinha, entrou na Justiça com um pedido para que a Marinha seja impedida de continuar seu processo de reforma, além de alegar que está em perfeitas condições, e que está sendo negado o registro de seu nome social na carteira de identidade funcional e nos assentamentos. A Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou, em defesa da Marinha, que a militar não poderia ser transferida, já que a medida só é permitida entre oficiais, e segundo-sargento não é um cargo desse nível.

A 27ª Vara Federal do Rio concedeu tutela de urgência a favor da militar, ordenando que a Marinha paralise a aposentadoria da segundo-sargento e mude a forma de tratamento dela. O juiz apontou que a autora foi afastada de suas atividades diversas vezes por ser transexual. Ele destacou que, no entanto, “não se verificou em nenhum momento redução da capacidade cognitiva ou física da parte autora em razão da busca de sua identidade de gênero”. E que os médicos relataram que a depressão e a ansiedade da impetrante diminuíram depois que ela se assumiu como mulher.

A AGU recorreu da decisão, pedindo a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, mas o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), negou o requerimento e manteve a decisão que proíbe a reforma da militar.

Advogada ressalta importância do Estatuto da Diversidade e Gênero

Para a advogada Juliana Lobato, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/MG e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, os dois casos vão contra os direitos constitucionais. Por isso a importância da aprovação do Estatuto da Diversidade e Gênero, que está em votação no site do Senado, e deve garantir mais direitos à comunidade LGBTI+.

“O juiz é imparcial mas não é neutro. Toda decisão proferida, além do conteúdo jurídico, também estão as convicções íntimas do magistrado. Daí a importância da aprovação do Estatuto da Diversidade e Gênero, em que os direitos da comunidade LGBTI+ estarão explicitados. Lembrando que tais direitos já existem, pois são amparados pela própria Constituição da República. Mas o estatuto garante a plena efetividade justamente para esses juízes que ainda resistem ao direito LGBTI+”, afirma.

Com relação ao caso da travesti transferida para o presídio feminino, a advogada lembra que poderia ter sido impetrado um mandado de segurança para garantir a efetiva transferência, aliada a existência de precedentes em outras penitenciárias. “Aliado ao risco efetivo à sua integridade física, na medida em que se encontrará em ambiente masculino que potencialmente poderia sofrer assédio moral e sexual. Se já iniciou a sua readequação hormonal os aspectos físicos femininos ainda potencializam este problema”, disse Juliana.

Já no caso da transexual que recorre contra afastamento da Marinha, a advogada detalha que a situação é um pouco mais complexa, e que “para analisar a chance jurídica da militar precisaríamos avaliar todo o processo e verificar quais foram as medidas judiciais tomadas, tanto administrativa quanto juridicamente”. No entanto, em tese, “está evidente que houve violação do direito dela, a instrumentalização deste direito que depende de análise processual, se já houve preclusão material ou temporal por exemplo”, finaliza.