A Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM divulga nota de repúdio contra a plataforma YouTube, que interrompeu e retirou do ar a transmissão ao vivo da palestra Preconceito e Ambiente de Trabalho, no último dia 17 de julho. Ministrada pela professora Yuna Vitória Santana e promovida pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, a aula tinha o objetivo de capacitar e informar magistrados e servidores, tratando-se de atividade eminentemente institucional e de interesse público.
O evento virtual enfocava obstáculos enfrentados pela população LGBTI, principalmente transexuais e travestis, para o ingresso no mercado de trabalho. Com a palestra, buscava-se analisar tal situação e apontar caminhos para a superação do preconceito e da discriminação institucionalizada.
“Depois de todos os avanços que já foram assegurados à população LGBTI pela Justiça, um evento realizado pela Escola Judicial da Justiça do Trabalho da 5ª Região, para magistrados e servidores, que tratava exatamente sobre o preconceito, foi alvo de um ato mais do que preconceituoso, mas homofóbico”, define a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto.
Ela destaca que a aula on-line, na busca por inclusão, abordava de maneira séria um tema tão sensível e que diz respeito a uma parcela significativa da sociedade. O direito ao trabalho, afinal, está diretamente associado ao direito à vida. “A Comissão não tinha como não se manifestar com um ato de repúdio a essa prática de simplesmente retirar do ar uma verdadeira aula que estava sendo ministrada”, aponta Maria Berenice.
Confira, na íntegra, a nota de repúdio da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM, assinada por Maria Berenice Dias e Priscila Morégola, vice-presidente da mesma Comissão:
NOTA DE REPÚDIO
A Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias vem a público manifestar total repúdio e indignação, contra o ato praticado pela plataforma YouTube, que interrompeu e retirou a transmissão ao vivo da Palestra “Preconceito e Ambiente de Trabalho” que seria ministrada pela professora Yuna Vitória Santana, no dia 17/07/2020 pela manhã.
Referida aula tinha o objetivo de capacitar e informar magistrados e servidores, tratando-se de atividade eminentemente institucional e de interesse público, da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região.
Na atualidade, as questões de gênero, cada vez mais debatidas, têm assumido posição de destaque no que concerne à garantia e a proteção de direitos individuais.
Internacionalmente, ganha cada vez mais relevância a garantia dos direitos humanos da população LGBTI em contraponto à violência e ao preconceito contra a população trans e travestis. No Brasil, apesar de alguns avanços recentes os direitos sociais e as garantias individuais da população LGBTI principalmente da população trans e travestis ainda são incipientes. Essas pessoas, sujeitos de direitos, experimentam desafios diários inclusive – e particularmente – no que se refere a sua integridade física e inserção e mercado de trabalho.
No que tange a direitos e a obrigações previstos em lei, como os regramentos trabalhistas, a lacuna legislativa ainda representa um óbice ao pleno exercício dos direitos sociais e de cidadão.
Nesse sentido, o problema que se quer trazer à discussão, é a inserção no trabalho da população LGBTI. Atualmente, essa população, no que tange ao ingresso no mercado de trabalho, apesar de estar assegurada por nossa constituição, na prática, ainda encontra muita dificuldade para encontrar trabalho, e quando encontra, sofre diversos tipos de assédio moral, além de violência física.
O direito internacional há tempos consagrou como um dos deveres do Estado a proteção dos direitos humanos. O Estado tem o poder-dever de proteger os direitos humanos. Essa proteção se dá com a observância dos princípios e das garantias individuais previstos na Constituição Federal e em tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
No caso da população LBGTI, essa proteção só será possível por meio de políticas públicas de integração à sociedade. Ao implementar tais políticas públicas, o Estado cria condições para que esses cidadãos tenham acesso à educação, à saúde, à segurança, ao mercado de trabalho, à família e à manutenção da própria existência, uma vez que essa população é alvo constante de violência e morte em todo nosso país.
É possível afirmar que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, constitucionalmente garantido a todos, não tem sido assegurado à população LGBTI, principalmente à população trans e travesti, uma vez que o Estado, por falta de implantação de políticas públicas, deixa de inserir a população trans e travestis na sociedade, tendo em vista que não conseguem se integrar no mercado de trabalho e nem mesmo nas escolas conseguem permanecer, vítimas de bullying e agressões.
Quando uma instituição, como a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região que sempre lutou pelos direitos sociais e se dispõe a capacitar seus membros para informá-los sobre o preconceito no ambiente de trabalho tem sua atividade censurada e interrompida pelo YouTube, plataforma que alcançaria milhões de pessoas, acabou por impedir o acesso da população em geral, sobre os direitos obstáculos enfrentados pela população LGBTI no mercado de trabalho.
Nesse caso, temos que tornar pública nossa indignação e repúdio, uma vez que, são poucas as políticas públicas existentes para a inserção da população LGBTI no mercado de trabalho e, quando ocorrem, são censuradas.
A plataforma YouTube, não só interrompeu a transmissão, como praticou censura, impossibilitando milhares de pessoas de terem conhecimento do quanto um membro da população LGBTI tem que se desdobrar para encontrar uma vaga no mercado de trabalho, e quando encontra, tem que suportar diversos tipos de preconceitos advindos de chefes e colegas.
Os obstáculos enfrentados pela população LGBTI e principalmente à população trans e travestis para o ingresso no mercado de trabalho são imensos e, mesmo após ingresso, travam uma árdua luta para lidarem dia-dia contra o preconceito. A minoria consegue ultrapassar a muralha quase intransponível do preconceito e discriminação institucionalizada no mercado de trabalho.
O YouTube não só ofendeu princípios constitucionais, como tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
Porto Alegre, 23 de julho de 2020
MARIA BERENICE DIAS
Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM
PRISCILA MORÉGOLA
Vice-Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM