Julgada apenas pelo Supremo Tribunal Federal, a ADPF serve para verificar se determinado ato do Poder Público configura afronta a preceito fundamental inscrito no texto constitucional, inclusive anteriores a 1988.

Uma das novidades da Constituição Federal (CF) de 1998, que completou 30 anos neste mês, foi a criação da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), com o objetivo de suprir as lacunas deixadas pelas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), que não podem ser propostas contra leis ou atos normativos que entraram em vigor antes da promulgação da CF nem contra atos municipais.

A ação, que produz efeito erga omnes (para todos) e vinculante, foi instituída pelo parágrafo 1º do artigo 102 da Carta Federal, tendo sido regulamentado pela Lei 9.882/1999 e é utilizada para evitar ou reparar lesão a algum preceito fundamental resultante de atos da União, estados, Distrito Federal e municípios. Para o cabimento da ADPF, no entanto, a lei prevê o cumprimento do requisito da subsidiariedade, ou seja, a ação somente deve ser admitida quando não houver outro meio eficaz capaz de sanar a lesividade apontada. A doutrina jurídica, por sua vez, qualifica como fundamentais os preceitos que se revelam como imprescindíveis e basilares do sistema constitucional, como, por exemplo, os princípios da divisão de Poderes, da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais.

Até o momento, foram ajuizadas no Supremo 547 ADPFs. Na primeira, de janeiro de 2000, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) questionava lei do Município do Rio de Janeiro que tratava do valor do IPTU para determinados imóveis. A mais recente (ADPF 547), foi ajuizada pelo governador do Pará, Simão Jatene, e versa sobre bloqueios judiciais do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região dos débitos trabalhistas da Fundação Paraense de Radiodifusão. O Tribunal já proferiu 720 decisões em ADPFs, sendo 374 decisões finais, 132 liminares, 112 interlocutórias, 94 em recursos internos e 8 sobrestamentos.

O rol de legitimados para ajuizar ADPF é o mesmo para apresentar ADIs, previsto expressamente no artigo 103 da CF: o presidente da República, as Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o governador de estado ou do Distrito Federal, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A decisão sobre a arguição somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos ministros (oito) e é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo STF, na forma do seu Regimento Interno. A Lei 9.882/1999 prevê ainda que, em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, a ser referendada (ad referendum) pelo Plenário.

Julgamentos históricos

Temas de grande repercussão nacional foram debatidos em julgamentos de ADPF. O mais recente foi em setembro deste ano, quando o Plenário julgou válidas as normas que autorizam o cancelamento do título do eleitor que não tenha atendido ao chamado para cadastramento biométrico obrigatório (ADPF 541).

Neste ano, o STF decidiu ainda que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja atividade-meio ou fim, ao julgar a ADPF 324. As multas aplicadas às empresas que não cumpriram a decisão de desobstruir as rodovias durante a greve dos caminhoneiros em maio deste ano se deram nos autos da ADPF 519.

A proibição da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório foi tomada no julgamento das ADPFs 395 e 444. Também em 2018, o Supremo referendou decisão do ministro Ricardo Lewandowski na ADPF 165, que homologou o acordo celebrado entre instituições financeiras e poupadores em torno da disputa sobre os planos econômicos.

Outras deliberações importantes foram tomadas pelo STF ao julgar esse tipo de ação: descriminalização da interrupção da gravidez de feto com anencefalia (ADPF 54); considerar a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) incompatível com a Constituição Federal de 1988 (ADPF 130); realização da “Marcha da Maconha” (ADPF 187); Lei da Ficha Limpa (ADPF 144); união homoafetiva (ADPF 132); proibição de importação de pneus usados (ADPF 101); a Lei de Anistia (ADPF 153); e cotas raciais nas universidades (ADPF 186).

Próximos julgamentos

Outros assuntos com repercussão estão tramitando no Supremo, por meio de ADPF, como o Marco Civil da Internet e a possibilidade de decisões judiciais impedirem o funcionamento do WhatsApp (ADPF 403) e a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação (ADPF 442), ambas com audiências públicas realizadas.

RP/AD

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