A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ autorizou a alteração no registro civil de uma criança que recebeu do pai o nome de uma marca de anticoncepcional. O entendimento dos ministros foi de que houve rompimento unilateral do acordo firmado entre os pais da menina, que está prestes a completar quatro anos.
No caso, o pai da criança registrou um nome diferente do combinado com a mãe, em referência ao remédio tomado pela mulher à época em que ficou grávida. Além de não participar ativamente durante a gestação, seu ato foi motivado pela convicção de que a genitora deixou de tomar o anticoncepcional propositalmente para engravidar.
A mãe tentou fazer a alteração do nome no cartório de registro. Com a negativa, decidiu ingressar com uma ação judicial para evitar que a criança possa saber dos motivos pelo qual o pai deu a ela o nome do remédio. A situação poderia fazê-la passar por situações vexatórias, como ressaltou a defesa.
O pedido foi negado em primeira e em segunda instância, quando então a Defensoria Pública levou o caso ao STJ. No recurso, apontou-se vício no processo de escolha do nome, com desrespeito ao pactuado entre os pais da criança, além de violação da boa-fé objetiva por parte do pai, o que basta para que a alteração do nome seja permitida.
O defensor público Rafael Rocha Paiva Cruz, responsável pelo caso, apontou que o pedido da autora da ação tem respaldo na Constituição Federal de 1988, na Lei de Registros Públicos (6.015/1973), no Código Civil (Lei 10.406/2002) e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990).
Proteção contra futuro sofrimento
Para a oficiala de registro civil Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão de Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão foi acertada. Segundo a especialista, os ministros observaram que a alteração do nome protegeria a criança de constrangimentos e até de sofrimento.
“O prenome, em si, não é vexatório. Muito além deste ser também o nome de uma marca comum de anticoncepcional, o que tem o potencial de causar muito sofrimento a essa criança é o motivo que levou seu pai a escolher o seu nome. O pai alega que a mãe engravidou por não ter seguido corretamente o uso do método contraceptivo, deixando evidente que a filiação não foi programada”, comenta Márcia Fidelis.
Para a diretora nacional do IBDFAM, o sentimento de rejeição pode causar maior impacto no desenvolvimento da personalidade da menina quanto maior for a sua idade. “A providência da mãe em buscar o procedimento judicial para proteger sua filha do sofrimento foi precisa”, opina a oficiala.
Ela lembra que a alteração de prenomes pelas vias meramente administrativas, sem a participação do Ministério Público e do juiz, não é permitida por lei. “A regra geral é a imutabilidade do prenome. Contudo, a própria lei registrária lista possíveis exceções e uma delas é o potencial constrangimento que o nome pode trazer para o cidadão. No caso em comento, justifica-se ainda pela proteção ao maior interesse da criança”, explica.
Consenso entre os pais é presumido
A escolha do nome a ser atribuído ao bebê ao nascer é direito de ambos os pais, diz Márcia Fidelis. “Sendo atributo do poder familiar cuidar de todos os interesses do filho, o exercício desse cuidado é conjunto e em igualdade de condições. Contudo, não é obrigatório que ambos os pais compareçam para declarar o nascimento do filho perante o registrador civil. Basta um deles e, levando-se em consideração o puerpério e peculiaridades relacionadas ao reconhecimento de paternidade, a regra é que o pai seja o declarante do registro.”
No momento do registro, presume-se o consenso e o respeito ao nome escolhido por ambos. “Não se trata apenas de uma quebra de confiança por não cumprir o combinado. O pai desrespeitou o legítimo direito da mãe em participar da escolha do nome da filha. A situação é ainda mais grave quando o objetivo é causar danos psicológicos que poderiam marcar de forma indelével a vida da criança, impondo a ela um dos sentimentos mais nocivos para o desenvolvimento humano, que é a rejeição.”
O ato, segundo a especialista, atendeu unicamente ao anseio cruel de atingir a mãe, em detrimento da própria filha. “Nesse caso específico, a mãe conseguiu reverter a situação em tempo de evitar danos maiores. Mas a história já marcou a vida dela, até mesmo porque, em seu registro de nascimento fica a marca de que, até os 4 anos, ela tinha outro nome. E certamente saberá o motivo da mudança.”
Casos como esse são raros
Quando os pais estão em desacordo em relação ao exercício do poder familiar, devem buscar suprimento judicial. “O juiz mediará para que cheguem a um consenso e, caso contrário, a decisão judicial prevalecerá à vontade divergente dos pais. É mais comum do que se imagina, não haver acordo para a escolha do nome do filho. Contudo, para evitar os transtornos de uma intervenção judicial, acabam se esforçando para buscar o consenso.”
Por outro lado, a ofensa direta ao acordo para a escolha do nome, agindo o declarante de má fé, atribuindo ao filho um nome divergente da vontade comum, é bem raro, de acordo com a oficiala de registro civil. “Quando ocorre, a parte atingida tem que buscar as vias judiciais para fazer alterações no prenome”, explica.
“O ideal seria a comprovação expressa da escolha conjunta, manifestada por escrito ou pela presença de ambos no momento do registro. Essa medida, porém, traria obstáculos para a lavratura do registro. Portanto, prevalece a presunção da boa-fé do declarante, como forma de garantir o registro imediato do nascimento”, conclui Márcia Fidelis.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas)