Os direitos da população intersexual estão entre os assuntos em destaque no XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, que traz como tema “Famílias e Vulnerabilidades”. O evento será realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM entre os dias 16 e 18 de outubro, no Sesc Palladium, em Belo Horizonte.
O palestrante Shay Bittencourt, psicólogo em formação e diretor da Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI), levanta a seguinte questão: a pessoa intersexo deve ter o direito de escolher sua identidade de gênero? A discussão será na sexta-feira, 18 de outubro, às 16h20.
Caracterizam-se como intersexuais os indivíduos que não se identificam com o sexo biológico masculino ou feminino. Na tentativa de classificá-los como homem ou mulher, surgem conflitos entre características físicas, sistema reprodutor, anatomia sexual, cromossomos e/ou hormônios. Por isso, são pessoas que fogem aos padrões binários impostos em diversas esferas da sociedade – incluindo o âmbito jurídico.
Cirurgias impossibilitam autonomia sobre o próprio corpo
O principal problema enfrentado por essa população diz respeito às mudanças cirúrgicas impostas após o nascimento, a fim de restringir a condição biológica a apenas um gênero. A autonomia sobre o próprio corpo não é assegurada à pessoa intersexo, segundo Shay Bittencourt.
“É tirado de nós o direito de escolha sobre como queremos que nossos corpos sejam. Nos designam um gênero antes dos dois anos de idade, antes mesmo de nossa personalidade se desenvolver, com o intuito de nos enquadrar no que a sociedade entende como tipicamente masculino ou feminino. Essas cirurgias são, muitas vezes, mutiladoras, irreversíveis e deixam sequelas físicas e psicológicas para o resto de nossas vidas”, afirma o palestrante.
Shay explica que a identidade de gênero não é uma escolha, mas parte de uma identidade constituída pelos sujeitos em seus processos de desenvolvimento. “O problema para as pessoas intersexo é que, antes que esse processo se dê, nossos corpos sofrem intervenção cirúrgica, nos designando para um gênero que nem sempre é parte da identidade que constituímos durante a juventude. Quando chegamos à idade adulta, temos que lidar com as sequelas de um processo cirúrgico desnecessário”, relata.
“O direito à autodesignação de gênero de pessoas intersexo é o direito à integridade física de nossos corpos. Muitas vezes não há nenhum risco a saúde ou ao bem-estar físico da criança e a intervenção cirúrgica é meramente estética, com a justificativa de que a criança cresceria confusa por não ser lida como menino ou como menina”, defende Shay.
Intersexuais ainda são “categoria invisível”
Segundo dados da Organização das Nações Unidas – ONU, intersexuais representam 1,7% da população mundial, enquanto, no Brasil, são 167 mil pessoas assim identificadas. Trata-se de um grupo ainda invisibilizado por diversos fatores. “Somos ‘mitificados’, ainda vistos como seres mitológicos e distantes da realidade de pessoas ‘comuns’. Ninguém imagina que o vizinho ou o colega de trabalho possa ser intersexo”, analisa Shay.
O tabu acerca de identidade de gênero e do sexo agrava esse panorama. “Quando não se pode falar sobre sexualidade, não se pode falar sobre a existência de pessoas que fogem do binário macho-fêmea”, aponta o palestrante.
“A própria ideia de binariedade dos sexos é um fator muito forte: as pessoas creem fielmente que na natureza só existem macho e fêmea e isso é uma falácia. A natureza é muito rica em diversidade e produz corporalidades diversas.”
Congresso dá visibilidade à causa
O palestrante fala sobre a necessidade de levar a discussão ao Congresso Nacional do IBDFAM. Segundo Shay, profissionais do Direito – assim como aqueles de diversos setores, como saúde, psicologia e assistência social – precisam questionar velhos conceitos e desconstruí-los para que a sociedade avance de forma justa e humanizada.
As mudanças, afinal, devem ocorrer nas esferas sociais, não na anatomia de crianças. “A minha expectativa (para o evento) é a de que, juntos, possamos questionar nossas visões de mundo. Nós, pessoas intersexo, convidamos a sociedade a combater esse problema que é a discriminação de crianças fora do padrão. Que as deixem ser como são e ensinem os outros a aceitá-las, mesmo diferentes”, propõe.