Ter mais de 50 anos e pertencer ao grupo LGBTI são fatores de risco para diminuir a possibilidade de um bom atendimento, agravado pela falta de uma rede de apoio. É o que indica um levantamento sobre envelhecimento e acesso à saúde feito em todos os estados do Brasil pelo geriatra Milton Crenitte, coordenador do Ambulatório de Saúde da Pessoa Idosa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP.
Os dados foram discutidos durante uma audiência pública recente na Câmara dos Deputados, que teve como foco a criação de políticas de apoio à população LGBTI idosa. Entre os destaques do encontro, promovido pela Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa, estão a pesquisa que aponta discriminação em Instituições de Longa Permanência de Idosos – ILPIs, e a dupla invisibilidade do tema, que une o preconceito contra os mais velhos e contra os homossexuais.
O geriatra explicou que a proporção de pessoas LGBTI que, se ficassem de cama, não teriam ninguém para chamar em caso de necessidade é muito maior do que em relação às pessoas não LGBTIs, “inclusive a proporção de pessoas LGBTI mais velhas que sentem-se sozinhas, que têm medo de morrer com dor e medo de morrer sozinhas.”
As ILPIs, que eram para servir como alternativa de cuidado, em geral não estão preparadas para receber a população idosa LGBTI e se tornam um ambiente propício para a discriminação. Na audiência, o especialista em Gerontologia Diego Félix, informou que, de 100 entidades consultadas em São Paulo, só uma identificou um gay entre os residentes e ele estava sofrendo violência por parte dos outros idosos. Conforme os relatos, há um grande número de casos em que, travestis e transexuais têm de voltar à identidade masculina para serem acolhidos.
Segundo a presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Maria Luiza Póvoa Cruz, é preciso falar sobre esse tema idependente das questões legais, do Direito de Família e Sucessões, pois envolve seres humanos que já sofreram, e ainda sofrem, todo tipo de preconceito e discriminação.
A especialista lembra que os homossexuais, que hoje têm mais de 60 anos, nasceram antes da década de 60, e cresceram em um ambiente de discriminação. “A maioria foi apontada, pelos legisladores e pela sociedade, como pecaminosa e considerada indigna de proteção constitucional. Eles eram vistos como pervertidos e grande parte foi perseguida pela igreja. Até os profissionais da saúde consideravam a homossexualidade, um transtorno mental. Os homossexuais idosos de hoje internalizaram essas atitudes e crenças culturais negativas.”
Ela acrescenta: “Avançamos, sim! Mas a passos lentos e ainda temos um longo caminho pela frente em busca da igualdade de direitos.”
Estigma duplo
A presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do IBDFAM detalha que a população LGBTI, quando envelhece, tende a ser alvo de duplo estigma. “De forma abrangente e generalista, posso dizer que, por ser idoso é considerado um peso ao sistema que exige, a cada dia, mais produtividade, e na sua sexualidade, são indivíduos desprovidos de desejo. Neste cenário absurdo, nasce a depressão, a solidão, o medo e o desamparo social e político.”
“Essa invisibilidade forçada de idosos homossexuais provoca um problema de saúde pública, inclusive, pois o medo de ser maltratado nos serviços de saúde provoca a não busca pelo profissional de saúde. E se formos pesquisar, são raros os artigos científicos e publicações com estudos e pesquisas com esse público”, ressalta a advogada.
Segundo ela, “é necessário e urgente um movimento de mudança, no sentido de reconhecer, conhecer e acolher esses indivíduos nos espaços públicos e privados.”
Políticas de apoio
O PL 94/2021, que atualmente aguarda parecer do relator na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, também foi analisado pelos debatedores. A proposta, de autoria do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), altera dispositivos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) para garantir que as entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência às pessoas idosas exerçam suas funções de modo a preservar a dignidade dessas pessoas, respeitando-as independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero.
Para Maria Luiza Póvoa Cruz, considerando o aspecto jurídico, o texto da proposta é de extrema importância para esse público, pois garante direitos fundamentais, mas “soa estranho do ponto de vista humano”. A advogada explica que “é incômodo saber que vivemos num país em que é preciso uma lei para garantir o tratamento isonômico entre todos nós, e pior, para garantir tratamento isonômico a um público específico que foi ‘marginalizado’ em razão da sua sexualidade.”
“Nosso preconceito é estrutural, a população LGBTQI+ é alvo constante daqueles que não respeitam a existência do outro. Nesse sentido, o PL é claro, ao estabelecer que as instituições de longa permanência deverão adotar princípios como observância dos direitos e garantias individuais das pessoas idosas, com tratamento digno, respeitoso e isento de quaisquer formas de discriminação. E ainda devem oferecer ambiente de respeito e tratamento isonômico, independentemente de origem, raça, sexo, cor, orientação sexual ou identidade de gênero”, pontua a advogada.