A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve decisão que permitiu a adoção de uma criança pela avó paterna e por seu companheiro, avô por afinidade, negando assim provimento a recurso do Ministério Público.

Apesar da proibição prevista no parágrafo 1º do artigo 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o colegiado afirmou que a adoção pelos avós (adoção avoenga) é possível quando for justificada pelo melhor interesse do menor.

Assim, o colegiado alinhou-se à posição da Terceira Turma que, em casos julgados em 2014 e 2018, já havia permitido esse tipo de adoção. Mas, em setembro do ano passado, o STJ negou adoção do bisneto pelo bisavô, em face do mesmo dispositivo do ECA.

Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirmou que a flexibilização da regra do ECA para autorização da adoção avoenga exige a caracterização de uma situação excepcional. E que entre essas condições está a necessidade de que o pretenso adotando seja menor de idade; que os avós exerçam o papel de pais, com exclusividade, desde o nascimento da criança; que não haja conflito familiar a respeito da adoção e que esta apresente reais vantagens para o adotando.

O caso

O recurso diz respeito a uma criança que foi entregue pela mãe aos cuidados da avó paterna e de seu companheiro alguns dias após o parto. Alegando que os pais eram dependentes químicos, os avós ajuizaram a ação de adoção 8 meses depois. Além disso, eles também disseram que a mãe aparecia sob o uso de drogas para visitar a criança com frequência, ameaçando retomar a guarda.

Em primeira instância, foi julgado como procedente o pedido no tribunal estadual. Mas, desde o início, o Ministério Público discordou da medida, alegando violação ao texto literal do ECA.

Para o ministro relator, a adoção avoenga deve ser permitida em situações excepcionais, como a dos autos, “por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente”. Ele considerou que tal possibilidade contempla o fim social objetivado pelo ECA e também pela Constituição de 1988.

“A pretensão de adoção funda-se em motivo mais que legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida em criminalidade, o que já resultou nos homicídios de seu irmão biológico de apenas nove anos de idade e de primos adolescentes na guerra do tráfico de entorpecentes”, disse Luis Felipe Salomão.

Já o ministro Marco Buzzi lembrou que, quando são demonstradas a afetividade e a afinidade da criança com os parentes que pretendem adotá-la, a adoção é plenamente admitida, “já que a própria lei, nos termos do artigo 19 do ECA, assegura à criança e ao adolescente o direito de serem criados e educados no seio de sua família”.

Especialista analisa

Wlademir Paes de Lira, presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família Seção Alagoas – IBDFAM/AL, diz que a decisão vai de encontro a um texto literal de lei, que é o artigo 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe a adoção por ascendentes, por irmãos e por colaterais de segundo grau.

No entanto, para ele não há necessidade de haver adoção dos netos pelos avós, principalmente pelo ponto de vista cultural que já foi implantado na nossa sociedade.

“Como se fala, quem é avô é pai duas vezes. Sempre houve substituição do papel paterno pelos avós. Nas faltas, no caso de morte ou nos impedimentos dos pais. Então, quando um pai morre ou quando não pode exercer a paternidade, os avós sempre ocuparam esse espaço de forma tranquila e sem necessidade de quem tenha que se legalizar isso do ponto de vista adotivo”, explica.

Ele aponta que a proibição da adoção busca evitar outras consequências que não as existenciais, como as patrimoniais.

“Nesse particular eu acho que sempre andou bem a relação com os netos do ponto de vista das questões existenciais, do reconhecimento do segundo pai, da questão da criação, da educação e da manutenção. Não acho que seria indispensável haver uma regularização formal da adoção para poder gerar esses efeitos jurídicos, ou para garantir as questões existenciais da crianças”, afirma.

Ponto de vista técnico

Para o magistrado, é preciso que seja um pouco mais técnico que isso. Pois, no seu ponto de vista, o STJ está dizendo que esse dispositivo é inconstitucional, porque ele não pode ser aplicado.

“Se eu excepciono por disposição literal de lei eu tenho que dizer que aquele dispositivo não atende ao fim que ele se destina, porque ele vai de encontro a Constituição Federal. Eu não posso analisar uma inconstitucionalidade ou não em função de um ou outro caso concreto”, analisa.

Wlademir Paes de Lira assinala: “Ou eu digo que aquele dispositivo não se aplica e ele não deve ser considerado por inválido do ponto de vista de inconstitucionalidade, ou tenho que entender que ele é válido e tem que ser aplicado. Então essa flexibilização da lei é uma retórica, uma forma mais polida de você dizer que aquela lei fere a Constituição.”

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)