No início de junho, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 13.840/19, que prevê a internação involuntária de dependentes químicos, alterando o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).

De acordo com a lei, são permitidos dois tipos de internação: voluntária e involuntária – esta sem o consentimento do dependente, feita a pedido da família, de um responsável legal ou de um servidor público da área de saúde, da assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad.

O texto diz que a internação involuntária só poderá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais; a internação voluntária dependerá do aval de um médico responsável e terá prazo máximo de 90 dias, tempo considerado necessário à desintoxicação; a solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família ou pelo responsável legal; não havendo nenhum dos dois, o pedido pode ser feito por um servidor da área da saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sisnad, exceto da segurança pública.

Para Maria Luíza Póvoa, advogada e presidente da Comissão da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, essa nova lei protege a integridade física e psicológica da pessoa usuária de drogas e, nessa ordem, também de familiares e terceiros.

“O dependente químico carece de um direcionamento e de um acolhimento que a internação proporcionará, obviamente com a anuência de um médico. O indivíduo usuário de drogas com a higidez mental comprometida pode trazer confrontos para as demais pessoas. Se há comprometimento da capacidade civil do dependente químico, o Estado deve intervir para sua proteção e, por via oblíqua, da própria família”, afirma.

Ela diz que há uma vertente, a qual acredita, que aponta como diretriz o Direito de Família, portanto compete às Varas de Família, mas trata-se de uma diretriz que poderá partir da Corregedoria do Estado ou do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Para isto, destaca o Enunciado I do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, que ela avalia como perfeita a decisão de que compete às Varas da Fazenda Pública processar e julgar a ação de internação compulsória de toxicômanos dirigida contra o Estado de Santa Catarina ou contra um de seus municípios.

“Havendo ou não litisconsórcio passivo com o dependente químico, desde que não cumuladas com pedido de interdição, tutela ou curatela, porquanto, nestes casos, prevalece a discussão sobre a capacidade civil e o estado das pessoas, matérias de índole eminentemente civil, afetas, pois, ao Direito de Família”, destaca.

De acordo com a advogada, quando a ação de internação compulsória tiver como pano de fundo a ausência do Estado na garantia de vaga para o tratamento do paciente toxicômano, a competência para julgar deve ser da Vara da Fazenda Pública.

“Em caso de ação que discuta a capacidade civil do dependente químico para decidir sobre o tratamento médico via internação hospitalar, a ação, entretanto, deve tramitar na Vara de Família. Não é possível cumular ambas as ações, pois se tratam, nesse caso, de competência absoluta diversa. As Cortes e as Corregedorias de Justiça nos estados devem seguir a mesma linha de raciocínio. Pela mudança legislativa, a internação compulsória não está restrita aos familiares, mas aos assistentes sociais com o aval do médico. Essa alteração promove modificação na competência da jurisdição? O conflito de competência continuará a existir especialmente com a mudança na legislação. Caberá ao Judiciário a análise dessas situações para definição sobre quem deve julgar tais ações”, enfatiza.

“Limpeza” das ruas

Maria Luíza Póvoa não vê um possível esvaziamento das ruas com essa medida, pois a internação compulsória de usuários de drogas não tem esse viés já que ela não abrange somente aquele usuário que vive em situação de rua, em que pese o fenômeno da epidemia de crack nos grandes centros urbanos e as chamadas “cracolândias”.

“A nova lei engloba também usuários que tenham casa e residam com a família. Vejo essa medida como um instituto protetivo, pois às vezes essa pessoa está dentro da própria casa e a família não tem qualquer controle sobre ela”, destaca.

Em relação às políticas públicas, Maria Luíza Póvoa afirma que é preciso que o poder público e o Sistema Único de Saúde – SUS tenham aparelhamento para tanto, o que não ocorre atualmente.

“De acordo com documentos publicados pelo próprio Ministério da Saúde, a soma de leitos em hospitais psiquiátricos e hospitais gerais é da proporção de 0,11 leito por 1.000 habitantes. A recomendação do próprio Ministério da Saúde é de que essa proporção fosse de 0,45 por 1.000 habitantes. Há aqueles que podem ser internados por meio de planos de saúde ou de forma particular, o que no entanto, não altera substancialmente este déficit. Essa assistência sempre foi e continua sendo absolutamente deficitária e ineficiente em razão da lentidão com que se dão os investimentos necessários à sua plena execução”, finaliza.