A (in)fidelidade conjugal na pós-modernidade” é analisada em artigo exclusivo da 53ª Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. O texto é de autoria da advogada e professora Fernanda Las Casas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
No texto, Fernanda Las Casas investiga o “valor social” e a evolução histórica da fidelidade. “No passado, o termo assegurava que os filhos nascidos durante o casamento (que no princípio era a única formação familiar admitida pelo Estado e pela Igreja) tinham laços de consanguinidade com o marido.”
“Por gestar o filho, a fidelidade era exigida com mais rigor da mulher. Caso fossem descobertas traições, tanto a mulher quanto o seu ‘amante’ eram punidos”, comenta a advogada.
A autora cita a Lex Julia de adulteris, lei romana que previa a punição de morte em caso de adultério. Segundo ela, a fidelidade tinha o objetivo de assegurar “filhos legítimos”, a fim de proteger o patrimônio da família – naquela época ligado pela manutenção do culto aos deuses.
“Esta punição, proveniente do Direito Romano, perdurou por muito tempo no Brasil colonial, que em seu início era regulamentado pelo Direito português, por meio das Ordenações Portuguesas. Em virtude da influência do Direito Canônico, retirou-se a pena de morte, mas foi mantida uma pena de detenção nos casos de adultério”, aponta.
Gênero
De acordo com Fernanda Las Casas, em legislações posteriores a punição se manteve “excessivamente gravosa” quando aplicada ao gênero feminino. “A mulher casada mantinha, ao casar-se, sua capacidade civil relativa, sendo-lhe proibido os atos do comércio, e pelo fato de não poder trabalhar era hipossuficiente economicamente.”
“A punição pelo adultério previa a perda do direito à meação do patrimônio do casal, e a perda da guarda dos filhos e do direito a alimentos, o que afetava diretamente a mulher. Com a evolução dos costumes no pós-guerra e a entrada da mulher no mercado de trabalho e nas universidades, a legislação foi-se alterando, e, em 2005, o dispositivo que considerava o adultério como crime contra o casamento foi finalmente revogado”, lembra a professora.
Fernanda acrescenta que, com a evolução social e biotecnológica, hoje é assegurado por meio do teste DNA a verificação de filhos biológicos. “Ademais, os costumes evoluíram no direito, de tal forma, que as pessoas passaram a valorizar mais o afeto nas relações familiares, em detrimento da existência de laços consanguíneos.”
Contemporaneidade
A advogada observa que houve uma mudança no cenário após a Emenda Constitucional 66/2010. “Foi esvaziada por completo a discussão sobre os motivos pelo fim do casamento.”
“Assim, apesar de permanecer na legislação o dever de fidelidade (art. 1.566, I, CC), o adultério não apresenta qualquer punição em uma esfera penal (desde 2005) ou familiar. Desta forma, o que resta ao cônjuge traído é buscar a reparação em uma ação cível para reparação do dano moral”, explica.
A especialista ressalta, entretanto, que a possibilidade de indenização necessita de prova robusta de sofrimento excessivo, ou de humilhação pública que vá além do mero desgosto e mágoa comuns e normais ao término de qualquer relacionamento. Ela afirma que a traição por si só não gera dano moral, mas reconhece a possibilidade de danos à imagem e/ou provenientes de doenças sexualmente transmissíveis, entre outros relacionados.
Dever conjugal
Fernanda Las Casas também observa que o Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu a tese de que a traição no casamento e na união estável representa o descumprimento de dever conjugal (Agravo em Recurso Especial 1.269.166 – SP). Já no Recurso Especial 1122547/MG, o STJ julgou improcedente o pedido de reparação de danos movido em face de um “amante”, por não existir dever legal de fidelidade.
A autora considera curioso que, mesmo em um cenário no qual há um debate amplo sobre relacionamentos abertos e poliamoriamorismo, a sociedade ainda se preocupe em debater a fidelidade como um dever conjugal.
Para o futuro, ela prevê a retirada do dever legal da fidelidade do Código Civil. “Se isso vier a acontecer, a fidelidade conjugal poderá ser tratada como uma cláusula intencionalmente incluída em um pacto antenupcial, e não mais como um dever legal conjugal.”
“Desta forma, as pessoas que pactuarem entre si por manterem a fidelidade, assumiriam de fato esta responsabilidade e arcariam com as consequências previstas caso exista um descumprimento. Contudo, com a lei em vigor, o dever de fidelidade permanece em nosso ordenamento jurídico, deixando a cargo do Poder Judiciário punir ou não o adúltero conforme o caso concreto”, conclui a advogada.