A Lei 13.058/2014 que regulamentou a guarda compartilhada ainda é recente no ordenamento jurídico brasileiro. Por esse motivo, refletir sobre essa norma é essencial. E é essa a proposta do artigo “Guarda Compartilhada e Convivência Compartilhada: diferenças e aplicações no sistema híbrido brasileiro”, de autoria do professor e advogado Cássio Augusto Barros Brant, um dos destaques da edição n. 26 da Revista IBDFAM Famílias e Sucessões.

Brant revela que o artigo toca em um dos principais pontos da matéria: saber diferenciar os tipos de guarda existentes, a compartilhada e a unilateral. Ambos presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Segundo ele, não se pode basear a guarda compartilhada por um critério ideológico de perfeita harmonia entre os progenitores.

“O modelo de guarda compartilhada é um modelo ideológico e, quando não couber aplicá-lo em sua plenitude, seja por deficiência de condições de gerenciamento por parte de um dos genitores ou por ausência de condições fáticas que permitem o equilíbrio de tempo de convivência do menor com ambos os progenitores, poderá o magistrado mesclar elementos de guarda unilateral com o de guarda compartilhada”, diz. “Neste aspecto, deverá separar o que é guarda do que seja convivência. Haverá guarda unilateral com convivência compartilhada ou guarda compartilhada com convivência similar a de unilateral. É claro que deverá apontar as fundamentações jurídicas para adoção desta mesclagem, baseando em situações fáticas que justifiquem a aplicação em prol do melhor interesse do menor”, expõe.

Ele observa que a guarda unilateral “pura” só deverá ser aplicada nos casos em que um dos genitores não deseja ou quando for comprovado judicialmente que não há condições para uma convivência equilibrada e administração conjunta da vida dos filhos por parte de um dos progenitores. “Neste último caso, o que se deve preconizar ao máximo é manter os elementos que configuram a guarda compartilhada e convivência compartilhada, quando for possível”, diz.

Ruptura com o sistema

A Lei 13.058/2014 é uma ruptura com o sistema vigente de guarda unilateral, conforme afirma Cássio Augusto Barros Brant. No entanto, segundo ele, permanece na sociedade a dificuldade de modificar um aspecto cultural milenar de que as genitoras detêm o controle sobre o rumo dos filhos.

“Nas questões que envolvem guarda e convivência com filhos, não se percebe a aplicação do princípio da igualdade. A guarda compartilhada, na verdade, é um desdobramento deste princípio. O que se pretende é a participação igualitária na vida dos filhos entre os genitores, assim como a convivência de forma equilibrada”, diz. “Infelizmente, o sistema de guarda unilateral perpetua na mentalidade da sociedade atual. Não é uma lei que mudará um deficit cultural de uma hora para outra, principalmente, formado por alicerces arraigados pelo pensamento machista da sociedade latino americana. A guarda unilateral nada mais é do que um fruto desta concepção obsoleta de que as mulheres devem cuidar dos filhos e os homens serem meros provedores, salvo suas peculiaridades em casos bem isolados. Essa mudança de paradigma será gradativa e contínua. Inclusive quando já estabelecida nos casos que passaram no crivo do judiciário. É um processo de reconstrução da sociedade e de transformação interna dos genitores que adotaram o modelo de guarda compartilhada. É uma ruptura de uma cultura externa (sociedade) e interna (psicológica) em prol de uma forma de viver salutar com os filhos quando os pais são separados ou solteiros”, reflete.

É possível mesclar os dois modelos

Segundo o advogado, a guarda unilateral é, até hoje, a que predomina no Brasil. “Estima-se que apenas 12,5% das guardas adotaram o modelo compartilhado. A separação de um casal ou o fato de a criança ser filha de pais solteiros não pode ser empecilho para que o outro genitor fique à margem das decisões da vida dos filhos e sua convivência seja escassa com os infantes, quando este deseja participar da vida de seus descendentes”, garante.

Para ele, nas situações que envolvem guarda, os juristas não estão priorizando  a distribuição de responsabilidades. “Quando é determinado o modelo de guarda compartilhada, em que os genitores deveriam convergir esforços de forma conjunta sobre o rumo da vida dos filhos, o Poder Judiciário instrumentaliza um dos progenitores com atribuições que tornam desproporcionais a participação do outro. Um destes instrumentos é convergir a administração financeira de forma integral do filho como se fosse o caso de guarda unilateral. Isso acaba enfraquecendo a relação que deveria ser igualitária, pois fatalmente muitas decisões sobre o rumo da vida dos filhos ficam prejudicadas diante do empoderamento do outro sobre as decisões da prole, visto que a gestão financeira propicia isso. O mais sensato era atribuir responsabilidades isoladas a cada um quando couber ao caso”, observa.

“Há necessidade de amadurecimento da sociedade e do Poder Judiciário para de fato perceber as distinções entre ambos os tipos de guarda (unilateral e compartilhada) e decidir modelos de guarda que efetivamente correspondam à realidade fática das partes envolvidas. Não o bastante, é possível mesclar tais institutos, desde que separados os critérios de guarda e convivência. Esta divisão é primordial para a percepção correta da realidade do caso e seu correto ajuste na relação familiar envolvida. Sem a separação do que seja guarda e do que seja convivência será muito difícil aplicar o modelo de fato adequado a cada caso”, esclarece.

O artigo “Guarda Compartilhada e Convivência Compartilhada: diferenças e aplicações no sistema híbrido brasileiro” compõe a edição n.26 da Revista IBDFAM Famílias e Sucessões. Assine agora e confira o conteúdo completo deste e de outros temas de artigos sobre Direito de Família e Sucessões.