O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM divulgou hoje, dia 17, uma Nota Pública sobre a Manutenção, a Aplicação e o Fortalecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em entrevista ao Boletim IBDFAM, o advogado Paulo Lépore, vice-presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM – que assina a nota com o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM; Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM e Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – comenta trechos da nota.
Para ele, o ECA é uma das mais modernas leis sobre direitos de crianças e adolescentes de todo o mundo e já foi, inclusive, utilizado como referência para elaboração de leis de proteção aos direitos de crianças e adolescentes em vários países e merece um compromisso pela sua defesa, sua aplicação total e seu fortalecimento.
A norma, segundo explica Paulo Lépore, foi criada a partir do início da doutrina da proteção integral no Brasil que se deu com a Constituição da República. “A Constituição de 1988 pediu a edição de uma lei que viesse detalhar a proteção integral para crianças e adolescentes e essa lei foi, justamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente que, no seu artigo 1º, já enuncia a doutrina da proteção integral, que significa que crianças e adolescentes são titulares de direitos, são pessoas em estágio peculiar de desenvolvimento físico, psíquico e moral, que têm os mesmos direitos dos adultos e outros mais, peculiares, como o direito de brincar e de se divertir, direitos inerentes à formação da personalidade humana”, diz.
Críticas e ataques
A nota destaca que o ECA vem recebendo ataques e críticas. No entanto, a revogação do Estatuto não é a solução. Para Paulo Lépore, uma eventual proposta de revogação do ECA teria consequências desastrosas e faria o Brasil “retroceder mais de 50 anos no que tange à proteção de direitos de crianças e do adolescentes”.
Ele expõe: “O Brasil se desconectaria de tudo o que existe de mais moderno mundo afora em relação à titularização de direitos por crianças e adolescentes. Nós voltaríamos à época da doutrina do direito do menor, ou da doutrina menorista, em que os menores de 18 anos de idade não eram titulares de direitos, eles tinham o mesmo status das coisas. Ainda que houvesse algum tipo de proteção, essa proteção era sempre reflexa, uma proteção que levava em consideração os interesses do mundo adulto e crianças e adolescentes como objetos, simplesmente se submetiam àquilo que os adultos entendessem por bem. Se nós tivermos a revogação do ECA certamente vamos colocar nossas crianças e os nossos adolescentes como reféns da sociedade. O nosso futuro como país será um futuro sombrio, porque quando a gente retira direitos de crianças e adolescentes, a gente retira a possibilidade de eles se desenvolverem de forma saudável e desenvolverem a sua personalidade para uma vida adulta responsável e cidadã”.
Crianças abrigadas
A nota também aborda a problemática das crianças em situação de abrigamento. Segundo o advogado Paulo Lépore, o melhor caminho é estabelecer um diálogo com toda a rede de atendimento. Dessa forma, segundo ele, será possível pensar no aprimoramento dos procedimentos envolvendo convivência familiar e comunitária dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Fortalecendo o ECA, para que ele continue sendo aplicado na exata medida necessária para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes”, garante.
Inimputabilidade de crianças e adolescentes
Outro aspecto abordado na nota é a inimputabilidade de crianças e adolescentes, garantia segundo a qual os menores de 18 anos de idade não vão receber as consequências do direito penal, mas sim do direito da criança e do adolescente quando praticarem condutas que estão descritas na lei como crime ou contravenção penal. Segundo Lépore, isso faz parte da lógica da doutrina da proteção integral.
O advogado reflete: “Eu tenho que respeitar as crianças e os adolescentes como seres em estágio peculiar de desenvolvimento. Uma simples punição nos moldes que o direito penal traz, certamente retira qualquer esperança de desenvolvimento de uma vida adulta saudável. Os erros na fase da infância devem ter um peso diferente dos erros cometidos na fase adulta.”
Ele interpreta que a eventual sensação de ineficiência do ECA não é culpa do estatuto, mas da falta de políticas públicas adequadas para que o ECA seja aplicado na sua totalidade. “Faltam unidades de internação, faltam programas para aplicação das medidas socioeducativas e aí nós temos, muitas vezes, situações que chocam a sociedade, porque não há uma resposta estatal efetiva. Mas essa resposta também não existe em relação ao mundo adulto, nós temos no Brasil uma situação bem complicada envolvendo o direito penal. No Brasil, temos uma superpopulação carcerária, um grande número de mandados de prisão em aberto, uma situação muito complicada, mais de setecentos mil presos para cerca de trezentas mil vagas e mais de cento e quarenta mil mandados de prisão em aberto. Ou seja, o problema no Brasil não é de falta de condenação, ou de falta de tratamento adequado e rígido por parte do direito da criança ou do direito penal, mas é um problema de falta de estrutura para aplicação daquilo que a legislação preconiza”, salienta.
Trabalho infantil
Por fim, a nota aborda os Direitos Fundamentais à Educação e ao Não-Trabalho. O advogado explica que, no que tange ao trabalho infantil, a situação também é complicada, especialmente, porque há um senso comum no sentido de que é sempre melhor o início precoce do trabalho. “O início precoce do trabalho, estatisticamente, é aquilo que acaba afastando as crianças e os adolescentes de um futuro melhor. Começar a trabalhar mais cedo significa abandonar a escola mais cedo, significa interromper o seu ciclo de informação, seu ciclo educativo, seu ciclo de pessoa em desenvolvimento da personalidade. Além disso, atrapalha a chamada empregabilidade, que significa a habilidade que a pessoa tem que ter para se adaptar às mudanças do mercado de trabalho. Quanto mais cedo crianças e adolescentes saem da escola, menor será o seu nível de empregabilidade, menor será a sua flexibilidade para se adaptar às novas necessidades, especialmente nessa época que nós estamos vivendo, de grandes mudanças tecnológicas. Então postergarmos o início do trabalho é medida que vai ao encontro da ideia de que eu tenho que permitir que crianças e adolescentes estejam na escola e estudando pelo maior tempo possível, porque a gente constrói uma a vida adulta depois com um potencial muito maior para gerar uma vida digna para os nossos adultos, os nossos cidadãos brasileiros”.
Fonte: IBDFAM