Criada pela Petz, empresa especializada em artigos para animais de estimação, em 2021, a licença PETernidade ganhou a adesão de outras empresas e tem o intuito de incentivar a adoção responsável, promover o bem-estar animal e fortalecer as conexões entre pets e tutores. De acordo com a empresa, mais de 50 funcionários do grupo já usufruíram do benefício desde então.
Segundo informações apuradas pelo Portal G1, para a telefônica Vivo, que também aderiu à iniciativa em maio de 2021, a licença é uma forma de estender o cuidado e a atenção também para os animais dos nossos colaboradores, além de estimular a adoção.
A fabricante de alimentos para cães e gatos Royal Canin, que já vem concedendo uma folga a quem se torna tutor de um pet desde 2018, disse que o número de associados com pets aumentou bastante durante a pandemia, assim como o número de solicitações para o uso do benefício, a empresa incentiva a todos a utilizarem a licença. Entre outras empresas que já aderiram ao projeto estão o Centro Veterinário Seres, Petlove, Great Place to Work e Petland.
Cada companhia tem seu próprio regulamento. Contudo, o princípio é o mesmo: ao realizar a adoção de um cão ou gato, o trabalhador deve notificar o RH da empresa que aderiu à Licença PETernidade, apresentando as devidas documentações que comprovam a iniciativa – como certificado emitido pela ONG, por exemplo. Daí, poderá usufruir de dois dias livres para cuidados e adaptação com o pet.
Nova realidade
Segundo a advogada Patrícia Corrêa Sanches, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a responsabilidade advinda da adoção de um pet é reconhecida pela legislação brasileira desde 1998, quando foi promulgada a Lei 9.605/1998, que pune maus-tratos e abusos aos animais.
Mais recente, a Lei 14.064/2020 aumentou a pena de 2 a 5 anos de reclusão, quando, especificamente, tratar-se de cães e gatos. “Atualmente, o Judiciário reconhece e protege as relações entre os animais e seus tutores, voltando o olhar para a vulnerabilidade do animal e para os laços de afetividade criados no ambiente doméstico-familiar”, esclarece a advogada.
Patrícia Corrêa Sanches percebe que a valorização do fator humano para a melhor produtividade é uma nova demanda da sociedade. “As empresas modernas estão sendo compelidas a investir no bem-estar de seus colaboradores. Especialmente diante das mudanças bruscas em razão da pandemia, essa parceria entre empresa-colaborador ficou ainda mais necessária.”
“A importância da presença dos pets nos momentos de isolamento social consolidou a integração destes como membro familiar. É visível o aumento de espaços pet friendly, onde os bichinhos passam a ser bem-vindos em shoppings, restaurantes e em locais de trabalho, entre outros locais onde não passavam da porta de entrada”, reconhece.
Visão jurídica
A presidente da Comissão de Família e Tecnologia do IBDFAM afirma que as empresas estão mais atentas às demandas emocionais de seus colaboradores. Lembra ainda que algumas passaram a conceder suporte para o cuidado do pet pelo seu tutor.
Patrícia explica que esse suporte vai desde a possibilidade do colaborador ter o pet em sua companhia enquanto realiza o trabalho, até a concessão de folga para os primeiros cuidados após a adoção do animal.
“A sociedade, como um todo, vem tomando consciência da importância da preservação e do cuidado com a natureza e todos os seres que dela fazem parte. Essa consciência influencia na visão jurídica sobre os animais domésticos, que hoje se interagem emocionalmente com a família”, comenta.
De acordo com a advogada, é cada vez mais comum, em casos de desfazimento da unidade familiar, que o juízo estipule a guarda e convivência dos animais que vieram daquela conjunção de afeto e de responsabilidade familiar. “Essa responsabilidade é fruto da decisão de adotar e de prover a manutenção de um pet, que pode demandar o custeio das despesas com alimentação, vacinas, consultas veterinárias, remédios e etc.”
Fortalecimento de vínculos
Na opinião do juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, a novidade estimula a adoção e fortalece os vínculos entre tutores e animais. “Algumas pessoas acreditam que defender a inclusão dos bichos de estimação como assunto do Direito das Famílias é equiparar pets e crianças, o que não é verdade.”
“Não temos uma lei ainda estabelecendo de forma adequada a questão jurídica, e, por isso, aplica-se por analogia. O nosso sistema permite que, na ausência de norma, se empregue a analogia com a situação de crianças humanas, mas não está equiparando de jeito nenhum as duas figuras”, frisa o especialista.
Atribuição de personalidade
Rafael avalia que esta é uma tendência, e os direitos relacionados a animais de estimação devem virar leis. “Nesta semana, gatos de um condomínio entraram na justiça. Não o dono, mas os próprios gatos. Isso é muito importante, é atribuição de personalidade jurídica aos animais.”
Ele ressalta que ainda há uma visão de propriedade sobre a relação entre o humano e o não humano. “O Judiciário dá um passo importante ao tratar dessas questões nas Varas de Família, sem deslocar para as Varas Cíveis.”
“O Estado não deve dizer aos outros quem é ou não membro da sua família. Quem deve dizer isso é o próprio familiar. E se é membro da família, o regulamento advém da ciência do Direito das Famílias, e qualquer questão litigiosa ou consensual que precisa ser judicializada, tem que ser nas Varas de Família”, conclui o juiz.