O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM solicitou, por meio de requerimento ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que os prazos processuais envolvendo infância e juventude, como situações de adoção e destituição do poder familiar, sejam incluídos na Resolução nº 313/2020. O objetivo é que esses casos não fiquem suspensos, o que acaba prejudicando os direitos dos jovens institucionalizados à espera de uma família.

De acordo com o texto, a Resolução nº 313/2020 estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de plantão extraordinário para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial. O que não inclui, até o momento, os procedimentos envolvendo crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional.

O requerimento, enviado pelo IBDFAM, lembra que o aparato tecnológico que transfere todos os procedimentos judiciais para o meio eletrônico não foi implantado em todos os Juizados da Infância e Juventude, persistindo ainda a tramitação física, o que inviabiliza a celeridade das etapas processuais e adia a solução definitiva da causa.

Apesar de constar na Resolução nº 313/20201 que, no plantão extraordinário, fica garantida a tramitação de medidas liminares e de antecipação de tutela de qualquer natureza, inclusive no âmbito dos juizados especiais, o IBDFAM nota que processos como os de destituição do poder familiar estão com a tramitação prejudicada.

Ainda de acordo com  o texto, a continuidade desses processos é serviço essencial, não podendo ser paralisado e nem interrompido, o que afronta os princípios protetivos previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e em tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário.

Crianças invisíveis

Segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, o requerimento pede a garantia do direito de milhares de crianças e adolescentes que vivem em um “limbo”, sem a família de origem, disponibilidade para adoção nem reinseridos na sociedade.

“É preciso que a prioridade absoluta do artigo 227 da Constituição Federal seja cumprida e que as Varas da Infância e Juventude, por serem essenciais, trabalhem. Se a advocacia é serviço essencial, como o judiciário não é? Não há como trabalhar apenas com os plantões. É necessário que a infância esteja na ativa com equipes mínimas, respeitando as normas de segurança”, afirma Silvana.

Para ela, é preciso que haja uma evolução dos mecanismos dispostos a essas varas específicas, uma vez que, ainda em 2020, existem varas da infância operando sem meio eletrônico de trabalho.“Não podemos desconsiderar a infância, chega de tratar crianças e adolescentes como sujeitos menores. Eles são sujeitos de direito, os únicos aos quais foi conferida, constitucionalmente, prioridade absoluta”, enfatiza.

Ainda em relação à Resolução 313/2020, a especialista entende que houve falha ao não estabelecer regime diferenciado para as varas da infância em matéria protetiva, incluindo atendimento psicológico e social por meios tecnológicos.“Isso evitaria perda de tempo essencial a criança e ao adolescente. No caso da entrega direta cuja audiência de ratificação tem que ocorrer em 10 dias, há que se oferecer meios para que os genitores participem da audiência pelo Cisco WebEx, em sala individual na vara ou fórum, vez que a grande maioria não dispõe de smartphones, laptops, internet de boa qualidade e não sabem manusear o aplicativo”, analisa.

Destituição familiar precisa ser mais célere

A advogada lembra que é determinado por lei a tramitação dos processos de destituição familiar em até 120 dias. Por isso, não há justificativa para se procurar por meses, às vezes anos, por pais biológicos que não querem ser encontrados.

“Filhos não são objetivos que se perdem. Sinceramente, três meses, seis meses, um ano, e nunca procuraram? Os genitores não procuraram porque não querem, não amam, não cuidam, não querem exercer a parentalidade. Chega dessa política do endeusamento dos laços biológicos despidos de afeto”, diz.

Para ela, o único sujeito de direito que detém prioridade de acordo com o artigo 227 da CF é a criança e não adultos ineptos. Como a infância passa rápido, não se pode perder tempo na espera de que adultos assumam suas responsabilidades parentais.

“Adultos devem assumir suas responsabilidades e, se não assumem, que sejam destituídos do poder familiar. Chega de tratar quem não cuida como vítimas da sociedade, pois, não é a pobreza que causa o abandono e sim a incapacidade de parentar. Se fosse a pobreza não teríamos crianças pobres dignas, estudando em escolas públicas, amadas, cuidadas. Não há falta de dignidade na família humilde”, critica.

Reformulação no processo

Por fim, Silvana Moreira sugere medidas que podem ser tomadas para dar apoio a crianças e adolescentes institucionalizadas durante a pandemia. O que passaria por uma revisão geral do ECA e do Código civil no que tange a destituição e suspensão do poder familiar.Ainda de acordo com ela, novas medidas poderiam ser tomadas, sendo elas::

1) capacitar adolescentes para a profissionalização;
2) reforço escolar obrigatório com o fito de suprir o gap da educação formal;
3) incentivo à prática de esportes olímpicos;
4) inserção no ECA da obrigatoriedade de construção de repúblicas para acolhimento de jovens dos 18 aos 25 anos se estudantes do nível médio e universitário até pós-graduação, enquanto a manutenção da condição de estudantes e com bom aproveitamento;
5) garantia de primeiro emprego por meio de termo de parceria ou convênio com empresas que teriam alguma redução tributária;
6) incluir o Abrigo de Portas Abertas no ECA como prática obrigatória por todas as varas com competência em criança e adolescente;
7) criação em caráter extraordinário e urgente de famílias acolhedoras em todos os mais de 5 mil municípios do Brasil, retirando cada criança e adolescente dos abrigos em que se encontram;
8) digitalizar todos os processos da infância através de força tarefa designada para tal fim;
9) punir os Tribunais de Justiça que não cumpram as determinações do CNJ.

“Essa revisão é necessária porque o sistema virou uma colcha de retalhos em que todo legislador se sente no direito de tomar decisões sem consulta pública, invertendo a prioridade absoluta e o sujeito de direito dessa prioridade”, conclui Silvana