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A ganância e o desejo de receber imediatamente sua herança fizeram com que um filho arquitetasse a morte do próprio pai. O crime, ocorrido em março deste ano na região oeste de Santa Catarina, resultou na morte da mãe e da irmã – de apenas dez anos – do acusado. O pai, baleado na cabeça, sobreviveu. O filho contou com a ajuda de um homem e um adolescente para a execução do delito. O Ministério Público catarinense (MPSC) denunciou os dois criminosos e fez uma representação contra o menor infrator. Conforme explica o advogado Luiz Paulo Vieira de Carvalho, diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) do Rio de Janeiro, o cometimento de graves atos ofensivos à pessoa, à honra e aos interesses do hereditando e/ou de seus familiares, como no caso em questão, configura a indignidade.

Carvalho, que também é presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), afirma que a indignidade é a privação do direito hereditário imposta a qualquer herdeiro legítimo (necessário ou facultativo), testamentário ou sucessor irregular que tenha atentado contra a vida, a honra e os interesses do hereditando, bem como de sua parentela, obedecidos os pressupostos e requisitos legais. “As causas taxativas dessa sanção civil – pena imposta por decisão judicial na ação da Indignidade, a ser proposta pelo interessado na exclusão perante o juízo orfanológico (art. 1.815, parágrafo único do Código Civil) – estão relacionadas no art. 1.814, I, II e III do CC”, esclarece o especialista.

De acordo com o artigo 1.814 do Código Civil, “são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

Luiz Paulo Vieira de Carvalho expõe que o inciso I, cujo bem jurídico objeto de proteção é o direito à vida, ao ampliar o art. 1.585 do Código de 1916, “acrescenta que se considera indigno não só aquele que for considerado autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso ou tentativa (art. 14, inciso II, do CP) em face do hereditando – excluindo-se assim o autor do homicídio culposo, indispensável a comprovação de que o ofensor agiu voluntária e intencionalmente quando realizou o comportamento reprovável –, mas também em face do seu cônjuge, do seu companheiro, seus ascendentes ou descendentes, tutelando-se a vontade presumida do ofendido de punir o ofensor, podendo, sob tal acepção, ter ocorrido o fato gerador da indignidade anteriormente ou até mesmo após a abertura da sucessão”.

Já no inciso II, ainda de acordo com o advogado, o que se protege é a honra, “ao preceituar o legislador que ‘excluem-se também da sucessão os herdeiros ou legatários que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra’, acrescentando o novel legislador em relação ao diploma anterior ‘ou de seu cônjuge ou companheiro’, excluídos, assim, ao contrário do inciso I, a ofensa ao ascendente ou ao descendente do hereditando”, afirma. O inciso III, por sua vez, declama que serão igualmente excluídos da sucessão quem agiu com violência física ou moral contra o autor da herança, ou que utilizou de artifícios maliciosos, impedindo-o por tais modos de testar, modificar ou revogar testamento ou codicilo.

“Neste último inciso, o que se protege é a vontade testamentária livre e soberana do hereditando ao planejar o destino de seu patrimônio para após a sua morte, que só deve ser limitada por normas jurídicas de ordem pública e não por ação de terceiro, lembrando que a última vontade do autor da herança é considerada, pela doutrina, sagrada e intangível”, comenta. Carvalho vê com simpatia a ideia de acréscimo legislativo, porquanto, por sua natureza, as causas de indignidade são numerus clausus, isto é, taxativas, uma vez que é vedado ao autor da demanda apresentar razões senão aquelas estampadas nos referidos incisos, não sendo cabível, em princípio, dada a gravidade das consequências para o ofensor.

“Entretanto, respeitáveis pronunciamentos entendem que o rol das hipóteses de indignidade não seria de taxativa absoluta, por consagrar uma tipicidade delimitativa, a comportar analogia limitada. Assim, a jurisprudência vem flexibilizando tais determinações legais, permitindo sua aplicação no campo do direito aos pecúlios, do seguro de vida e até no plano das relações familiares”, destaca Carvalho. Ele cita como exemplo o resultado da Apelação Cível nº 70005798004, julgada em 9 de abril de 2003, pela 7ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com voto vencedor da então desembargadora Maria Berenice Dias.

“Vejamos a ementa da decisão em questão: ‘Meação. Divórcio. Indignidade. Quem matou o autor da herança fica excluído da sucessão. Este é o princípio consagrado no inc. I do art. 1.595 do CC, que revela a repulsa do legislador em contemplar com direito sucessório quem atenta contra a vida de alguém, rejeitando a possibilidade de que, quem assim age, venha a ser beneficiado com seu ato. Esta norma jurídica de elevado teor moral deve ser respeitada ainda que o autor do delito não seja herdeiro legítimo. Tendo o genro assassinado o sogro, não faz jus ao acervo patrimonial decorrente da abertura da sucessão. Mesmo quando do divórcio, e ainda que o regime do casamento seja o da comunhão de bens, não pode o varão receber a meação constituída dos bens percebidos por herança. Apelo provido por maioria, vencido o relator’”, relembra Luiz Paulo Vieira de Carvalho.