A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ deu parcial provimento ao recurso ajuizado por dois irmãos contra a decisão que indeferiu ação de reconhecimento judicial de relação de parentesco. O entendimento da Corte Superior é de que eles têm legitimidade ativa e interesse processual para reconhecer vínculo com suposta irmã já falecida, mesmo que o próprio pai, também já morto, não o tenha feito em vida.

Os dois autores da ação são filhos biológicos de um homem que manteve relação extraconjugal e jamais reconheceu a paternidade de uma filha, supostamente nascida desse relacionamento simultâneo ao casamento. O pai morreu em 1983. Sua possível descendente, em 2013, sem deixar ascendentes ou descendentes. Por isso, irmãos por parte de mãe ajuizaram ação de inventário, se apresentando como os únicos herdeiros.

Os supostos irmãos por parte de pai buscaram então reconhecer o parentesco com a mulher, de modo que se tornem aptos a herdar parte do patrimônio deixado por ela. O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP indeferiram a inicial por ilegitimidade ativa, falta de interesse processual e impossibilidade jurídica do pedido. O acórdão foi reformado pelo STJ com unanimidade.

Legitimidade e interesse processual

A relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, entendeu que os autores são parte legítima para propor a ação porque se dizem titulares do direito subjetivo material cuja tutela se pede em ação de direito próprio. Haveria ilegitimidade, por outro lado, caso eles buscassem o reconhecimento do parentesco entre o pai e sua suposta filha.

O fato de a ação mirar o reconhecimento do parentesco entre irmãos – e, consequentemente, confirmar o parentesco entre pai e filha – não serve para impedir sua tramitação. Para Andrighi, o que se faz presente é o interesse processual, já que a via adequada para reconhecer esse parentesco é mesmo a ação autônoma que possa atender ao propósito específico do processo.

“Em se tratando de postulação de direito autônomo à declaração de existência de relação de parentesco natural entre pessoas supostamente pertencentes à mesma família, calcada nos direitos personalíssimos de investigar a origem genética e biológica e a ancestralidade (corolários da dignidade da pessoa humana) e do qual pode eventualmente decorrer direito de natureza sucessória, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação para a pretensão deduzida”, concluiu a relatora.

Decisão abre novas possibilidades, diz especialista

A advogada Viviane Girardi, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, comenta a decisão do STJ. Para ela, o entendimento dos ministros, além de correto e em consonância com o atual Direito das Famílias e das Sucessões, abre um leque de oportunidade para outros processos judiciais.

“A decisão ampliou o rol daqueles que podem pedir o reconhecimento de uma relação de parentesco. Essas ações de investigação costumavam ser respondidas ou pleiteadas exclusivamente pelos pais. Aqui, tivemos uma grande inovação”, observa a especialista.

Ela nota que, no caso concreto, o interesse processual específico era sucessório. “Os dois irmãos buscavam receber a herança da falecida, já que ela não tinha ascendentes nem descendentes vivos. Assim, naturalmente, os irmãos colaterais receberiam a herança deixada por ela”, pontua Viviane.

“Quando há a possibilidade dessa ação para fins de reconhecimento de direitos subjetivos materiais, o campo para ampliação e reconhecimento dos direitos existenciais também está dado. Então, esse me parece também ser um grande importante e vetor que se extrai dessa decisão”, acrescenta a advogada.

A diretora nacional do IBDFAM avalia que a sentença dialoga com os valores contemporâneos do Direito das Famílias e das Sucessões. “Pedidos como esse [de reconhecimento de parentesco entre irmãos colaterais] não são comuns, mas eu tenho impressão que, agora, com essa decisão do STJ, podem se tornar mais frequentes junto ao Poder Judiciário.”