A Justiça de Santa Catarina determinou a liberação de valores penhorados de uma empresa, após incidente de desconsideração inversa de personalidade jurídica, a título de alimentos compensatórios. O caso se dá no contexto de uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável com partilha de bens que envolve cotas de sociedades empresariais sob administração exclusiva do ex-companheiro sócio que, desde a separação, não realiza repasses à ex-companheira sócia.

De acordo com os autos, os alimentos compensatórios foram deferidos no início do processo, com expedição de ofício às empresas para serem realizados os descontos. Contudo, a determinação judicial não foi cumprida.

Diante disso, foi dado início ao cumprimento provisório de sentença de alimentos compensatórios em que não se encontrou bens em nome da pessoa física do executado. Dessa forma, foi realizado um incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica, que julgou procedente o pedido e penhorou o valor. No entanto, o juízo não liberou os valores.

Desde então, os executados vêm interpondo diversos recursos manifestamente protelatórios no intuito de que os valores não sejam liberados à exequente.

Após o julgamento do agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, foi requerida uma tutela de evidência, tendo em vista que os alimentos compensatórios foram confirmados pelo Tribunal e os recursos interpostos no incidente não têm probabilidade de reverter a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica inversa.

Ainda assim, o juízo entendeu que deveria aguardar o trânsito em julgado do incidente, atualmente em fase de recurso especial. Interposto agravo de instrumento, o desembargador-relator deferiu “o pedido de liminar para liberar integralmente os valores penhorados e depositados em subconta vinculada aos autos de origem, com a expedição, na origem, do respectivo alvará em favor da agravante”.

Tentativa de fraude

“A decisão é de extrema importância para casos dessa natureza, em que frequentemente há tentativa de fraude à partilha e o tempo transcorrido só beneficia aquele que não tem interesse em realizar o pagamento da meação a seu ex-consorte”, analisa Mariane Bosa, advogada do caso e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Para ela, aguardar o trânsito em julgado, a realização da perícia ou exigir caução poderia ocasionar o desvio da finalidade dos alimentos compensatórios, arbitrados para restabelecer o equilíbrio rompido com o término da união estável, principalmente da parte que se encontra impedida de usufruir das rendas e dos frutos produzidos pelo patrimônio comum.

“Dessa forma, evita-se o enriquecimento sem causa daquele que ficou na posse e administração dos bens que são objeto de partilha. No caso em questão, restou configurado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial, o que foi possível para desconsiderá-la e alcançar os seus ativos”, explica.

Decisão incomum

A decisão não é comum ao Direito das Famílias, tanto que a jurisprudência referenciada no despacho do relator é de outras áreas. Ainda assim, a especialista observa que a resolução está em conformidade com a norma processual civil.

“O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo deve ser realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, nos termos do artigo 520 do Código de Processo Civil – CPC”, afirma.

“De acordo com a jurisprudência, ‘a pendência de julgamento de recurso especial desprovido de efeito suspensivo não constitui óbice para acolhimento de pedido de levantamento de importância penhorada’. Ou seja, o processo deve ser utilizado com a máxima efetividade para a tutela do direito material, e não como forma de impedi-lo. Logo, o juiz, analisando as necessidades do direito material, deve buscar na norma processual a técnica adequada a uma prestação efetiva”, avalia.

Acelerando a partilha

Mariane Bosa observa que não são raras as vezes em que, ao final da partilha, não há mais como partilhar as cotas, pois os valores são desviados pela parte que ficou incumbida da administração.

“A decisão, portanto, ampara o levantamento dos valores bloqueados sem que necessite aguardar o trânsito em julgado, orientando as decisões primárias e acelerando a partilha de bens. Os alimentos compensatórios perduram até a efetiva partilha quando um dos consortes está privado da meação dos bens comuns”, comenta.

A advogada chama a atenção para o fato de que não há, na lei, uma penalidade para a fraude à partilha de bens contra cônjuge ou companheiro.

“Os alimentos compensatórios visam coibir essa prática, mas a efetividade da tutela jurisdicional é fundamental para alcançar esse objetivo. São de decisões efetivas e corajosas como essas que o Direito das Famílias necessita e cabe ao advogado provocá-las”, conclui.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM