Na Justiça do Rio Grande do Norte, um pai propôs ação revisional de alimentos para a redução do encargo alimentar do filho. A alegação foi de que havia perdido o emprego fixo e passou a exercer trabalho autônomo, sem renda comprovada. Em decisão interlocutória, a 9ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Natal determinou medidas atípicas para verificar a real situação econômica do alimentante, a fim de evitar fraudes.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Marília Varela atuou no caso. Ela explica que, apesar da perda do emprego, o padrão de vida do genitor não caiu. Além disso, ele omitia informações acerca de seu patrimônio, transações profissionais e de parte de suas movimentações bancárias. Restou necessária, então, a adoção de diligências para averiguar suas verdadeiras possibilidades financeiras.
Assim, no intuito de averiguar amplamente a real situação econômica do genitor, o juízo deferiu as medidas típicas e atípicas solicitadas:
• quebra do sigilo fiscal para averiguar o patrimônio declarado;
• quebra do sigilo bancário para averiguar as movimentações bancárias nos últimos 12 meses;
• quebra do sigilo dos cartões de crédito em que o genitor consta como titular e dependente para que mostrem os extratos de suas faturas nos últimos 12 meses;
• expedição de ofício às empresas intermediadoras de pagamentos, as fintechs, para que informem se o genitor possui cadastro, crédito, bem como sua movimentação financeira junto a elas; e
• expedição de ofício ao Departamento de Trânsito – DETRAN para informar a existência de veículo de propriedade do genitor.
Combate às fraudes no Direito das Famílias
“Embora algumas dessas medidas sejam corriqueiras nas ações de alimentos, como, por exemplo, a quebra do sigilo fiscal e expedição de ofício ao DETRAN, é sabido que as referidas diligências nem sempre expõem a verdadeira situação financeira de alguém, ante o grande índice de sonegação nas declarações de imposto de renda, bem como de fraudes à execução e contra credores, sendo essa também uma realidade no Direito das Famílias”, defende Marília Varela.
Na opinião da advogada, a amplificação das medidas de busca das possibilidades do alimentante demonstra que o juízo está atento a possíveis estratégias de ocultação de renda. Mais que isso, revela a preocupação em se valer de todos os instrumentos disponíveis para assegurar alimentos dignos ao vulnerável. “A título de ilustração, a quebra do sigilo bancário pode exibir transferências para ‘laranjas’, depósitos em dinheiro não identificados, além de recebimento de verbas constantes, indicando alguma espécie de vínculo de trabalho.”
Segundo Marília, a fatura de cartão de crédito demonstra o estilo de vida do titular, se o valor de pensão que propõe é compatível com o que gasta consigo. “Nesse caso, também foi realizado o pedido de que fossem verificados possíveis cartões de crédito em que genitor figurasse como dependente de alguém, pois ele poderia estar se utilizando de ‘laranjas’ para ocultar renda, já que apesar da perda de emprego, seu padrão de vida não caiu”, acrescenta.
“Por fim, foi requerida a verificação de cadastro ou movimentações financeiras do genitor junto às empresas de intermediação de pagamento (fintechs). Nesse tipo de sistema, ele pode receber dinheiro por esse tipo de empresa, mas não necessariamente esse dinheiro será transferido para uma conta bancária, podendo ser utilizado para aquisição de bens e serviços pelo próprio meio de pagamento dessa intermediadora”, segundo ela. “Assim, pelo uso dessas empresas, há um grande risco de o dinheiro recebido pelo alimentante não entrar no sistema financeiro e, por conseguinte, ser ocultado nas ações de alimentos.”
Dignidade da pessoa humana e melhor interesse da criança
A advogada explica que há proteção da legislação brasileira para o deferimento das medidas atípicas. “Nas ações de alimentos de um vulnerável, havendo a necessidade de se apurar as reais condições financeiras do alimentante, os princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente se sobrepõem ao direito à privacidade do alimentante, que é relativizado pela técnica da ponderação.”
“Assim, quando patente a necessidade de se levantar informações financeiras do alimentante, todas as medidas que possam indicar a sua capacidade econômica devem ser permitidas para resguardar a fixação de acurada obrigação alimentar.”
Outrossim, o artigo 369 do Código de Processo Civil – CPC (Lei 13.105/2015) permite que as partes empreguem todos os meios legais para provar a verdade dos fatos em que se funda, segundo Marília Varela. “Além disso, como utilizado pelo Juízo na decisão analisada, em seu artigo 139, IV, do CPC, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
O trecho da decisão diz: “Da observância do Código de Processo Civil, é possível abstrair que, com o intuito de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, foi positivada regra constante no artigo 139, IV, do referido diploma legal, segundo a qual incumbe ao juiz ‘determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária’”.
“Por fim, é importante lembrar que na seara alimentar é admitida a aplicação de medidas até mais drásticas que aquelas deferidas na decisão estudada, como, por exemplo, a prisão civil, de modo que me parece perfeitamente compatível com a natureza desta ação, a adoção de todas as medidas lícitas possíveis para garantir uma subsistência digna para uma criança”, conclui Marília Varela.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM