Há doze anos, o direito brasileiro ganhava um instrumento legal capaz de coibir a violência doméstica praticada contra a mulher. No dia 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha –  11.340/06 foi sancionada e, desde então, tem sido um importante instrumento no combate à violência doméstica contra a mulher e a violência doméstica.

Segundo dados do Ministério de Segurança Pública, o Brasil tem hoje cerca de 298 Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres. Além de 3.387 unidade judiciárias com competência para receber e processar causas cíveis e criminais relativas à violência doméstica e familiar, conforme dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes da lei, existiam apenas seis varas especializadas em violência doméstica.

Para Adélia Pessoa, advogada e presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a Lei propiciou um novo olhar para a questão, dando visibilidade à milenar violência doméstica e fazendo mudar a compreensão desta grave pandemia que ainda assola a humanidade.

“A lei pretende estabelecer uma rede de proteção à mulher calcada em políticas públicas específicas e consistentes, numa perspectiva tanto preventiva, quanto de assistência à mulher e sua família, mas também de responsabilização do autor da violência de gênero”, afirma.

Apesar de ter sofrido algumas modificações buscando garantir mais segurança às mulheres no decorrer dos anos, a norma ainda enfrenta alguns desafios que obstam a efetivação do enfrentamento à violência de gênero. Dentre eles, Adélia Pessoa destaca alguns pontos: a dificuldade e instabilidade das vítimas para denunciar e manter a denúncia; a incompreensão e a resistência de alguns agentes públicos responsáveis pelos atendimentos e encaminhamentos; a falta de apoio efetivo para as vítimas, no âmbito privado e público; a falta de programas de atendimento ao agressor, em vários lugares deste Brasil continente, e com isso, os elevados índices de reincidência.

A solução, ressalta a advogada, ainda reside na implementação de ações e campanhas educativas de prevenção, no fortalecimento das redes de atendimento, na capacitação de profissionais da rede, no conhecimento e aplicação da Lei Maria da Penha e na constante realização de pesquisas e atualizações sobre a matéria.

“Além disso, apesar de as políticas de proteção à mulher serem definidas por entidades públicas, a sua concretude depende da fiscalização de toda a sociedade civil, dos Conselhos de Direitos da Mulher, dos Movimentos Sociais e de entidades não governamentais”, diz.

Números de violência contra a mulher não param de crescer

Apesar do amparo judicial ter aumentado consideravelmente com a norma, este tipo de crime infelizmente ainda registra altos índices no Brasil. De acordo com um levantamento feito pelo site G1, que considerou os dados oficiais dos estados relativos a 2017, doze mulheres são assassinadas todos os dias, em média, no Brasil. São 4.473 homicídios dolosos, sendo 946 feminicídios. Estes números representam aumento de 6,5% em relação a 2016.

E para que este cenário mude, Adélia Pessoa diz que é preciso, urgentemente, uma reeducação social. “As raízes que estruturam a cultura da violência doméstica remontam à história da própria humanidade e sua mudança implica desafios também estruturais, pois requer reeducação social, reconstrução de valores religiosos, morais, e em certos aspectos, jurídicos, políticas públicas e sociais fortes e concatenadas”, ressalta.

“Nunca é demais enfatizar o papel fundamental da educação”, diz a advogada. Afinal, nós sabemos que mudanças de condutas, atitudes preconceituosas, padrões sexistas etc., não ocorrem como consequência automática da sociedade democrática. Por isso há a necessidade de repensar a educação, para mudar esta cultura de violência contra a mulher desde a nossa primeira fase da vida, a infância.

“Precisamos repensar a educação que está sendo ministrada e como as unidades escolares, em todos os graus, estão construindo seus saberes de forma integrada, promovendo o respeito à dignidade humana. Também nas Escolas Judiciais, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia ou das Academias de Polícia. É fundamental fomentar processos de educação formal e não formal, de modo a contribuir para a construção da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, da pluralidade, da igualdade e do respeito à diversidade”, finaliza.

Revista IBDFAM traz entrevista exclusiva com Maria da Penha Maia Fernandes

A edição nº 38 da Revista Informativa IBDFAM traz uma entrevista exclusiva com Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica depois de levar um tiro do ex-marido enquanto dormia. Ela relatou seu drama, sua luta até a aprovação da lei e a busca incansável pela implementação de políticas públicas em todo o País.

Na entrevista, Maria da Penha destaca que a Lei vem fazendo um diferencial na vida das mulheres que sofrem violência doméstica. E que a sua principal finalidade não é punir os homens, mas proteger a mulher e punir o agressor, que é aquele que não sabe tratar a sua mulher com respeito, dignidade, como uma pessoa humana.

“Essa importância existe na sociedade brasileira, mas, infelizmente, a gente tem encontrado muita resistência dos gestores públicos nos pequenos municípios. Falta eles trabalharem essa questão de maneira consorciada nos pequenos municípios, para que se consiga trazer mais segurança para as mulheres que vivem nessas pequenas cidades e enfrentam essa situação de perigo”, declara.

Em outro ponto da conversa, Maria da Penha lembra que muita coisa mudou, mas ainda é preciso mudar mais. E essa transição depende principalmente dos gestores públicos para uma reeducação social, tanto para os homens, que vão mudar a mentalidade com relação ao tratamento da mulher, quanto para as mulheres, que saberão como se defender.

“O meu sonho era as mulheres de todos os municípios terem conhecimento da lei, um local para se informarem e, no momento em que forem agredidas, já saberem o que fazer da sua vida, já estarem instruídas para isso”, afirma Maria da Penha.

 

Fonte: Assessoria de comunicação do IBDFAM (com informações do G1 e da Agência Brasil)