A Justiça do Tocantins acatou o pedido da Defensoria Pública do Estado – DPE e determinou que um pai pague R$ 50 mil de indenização para a filha de 19 anos, vítima de abandono afetivo.
De acordo com a DPE e a Justiça do município de Guaraí, a 177 km de Palmas, apenas pagar a pensão alimentícia para dar como quitada a “obrigação” da convivência familiar não é o suficiente. O dever do genitor vai além e o descumprimento causa dano, passível de indenização, considerado abandono afetivo. Além disso, quando uma das partes deixa de pagar pensão alimentícia torna o caso ainda mais grave.
Alessandra Muniz, advogada e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM seção Tocantins, diz que a decisão aborda um importante ponto que é o fato de que afeto não é troca de moeda.
“Não adianta uma condenação indenizatória no sentido de que aquele pai tenha algum carinho pelo filho, porque não vai funcionar assim, tendo às vezes até repulsa maior do genitor. Afeto se busca e se constrói”, explica.
Em contrapartida, ela diz que se houve dano psicológico capaz de afetar a vida daquela criança, adolescente ou adulto de maneira que lhe atrapalhe seguir seu cotidiano, comprovado por laudos psiquiátricos, psicológicos e/outros que demonstrem esse dano (nexo causal), a indenização é mais que justa. Sendo que a maioria do abandono na infância caminha para uma vida adulta de sofrimento, pautada pelo abandono afetivo do pai.
“Como bem preceitua a doutora Giselda Hinoraka: ‘A ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo decorre da culpa do genitor, por imprudência ou negligência, sendo assim mais difícil a sua configuração. E, mesmo que comprovada a culpa do pai, é necessário que ocorra a perícia psicológica para que se comprove e esclareça a patologia sofrida pela prole abandonada, há a necessidade de se estabelecer ainda o nexo de causalidade existente entre os danos ocorridos e a culpa do genitor’”, diz.
Código Civil
Alessandra Muniz destaca que as decisões em danos morais por abandono afetivo correspondem ao ato ilícito civil praticado pelo genitor, o qual negligenciou o seu dever de prestação não só material, mas também moral para com seu filho.
Por isso, é no âmbito do Direito Civil que se busca essa reparação, alçando o artigo 186 do Código Civil de 2002. “Ainda, não se pode olvidar de citar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como o dever de cuidado dos pais para com seus filhos, da convivência familiar elencados na CF/88 (artigo 227); há respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 5º, e jurisprudência de muitos tribunais pelo país”, afirma.
Ela também lembra que o Superior Tribunal de Justiça – STJ sedimentou entendimento que cabe reparação por abandono afetivo.
Como calcular a indenização
Como não é possível mensurar o valor monetário de um transtorno causado psicologicamente, Alessandra Muniz detalha que para fazer os cálculos desse tipo de indenização o Estado-juiz deve buscar o balanceamento na aplicação do quantum indenizatório, para que o afeto não vire algo mercantilizado, observando caso a caso com a devida cautela e bom senso processual.
Assim, cabe cada juiz fixar um valor. “Um dos métodos utilizados pelo STJ para quantificar o valor dos danos morais é o método bifásico, que consiste num valor básico para a reparação o qual é analisado considerando o interesse jurídico lesado e um grupo de precedentes. Depois, verificam-se as circunstâncias do caso para fixar em definitivo a indenização”, esclarece a advogada.
Por fim, ela salienta que a punição de danos morais por abandono afetivo há de ser de caráter educativo e não punitivo como muitos pensam.
“Continuo com o opinião de que afeto não se compra, se constrói, e nós, advogados familiaristas, antes de qualquer medida judicial devemos buscar em primeiro lugar a aproximação de pai e filho. Essa é nossa função primordial para uma sociedade mais justa. Não é utopia”, enfatiza.