A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, por unanimidade, que é possível relativizar a regra da incompensabilidade da verba alimentar. Os ministros entenderam que a regra, disposta no artigo 1.707 do Código Civil, pode ser relativizada para reconhecer a quitação parcial do débito.
A Turma negou provimento ao recurso especial contra acórdão proferido pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que manteve a decisão do juízo da 10ª Vara de Família da Comarca da Capital, admitindo a dedução do valor da execução das despesas pagas in natura por um pai, referentes a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o filho.
Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso no STJ, a discussão é sobre a possibilidade de serem deduzidas da pensão alimentícia, fixada exclusivamente em dinheiro, as despesas pagas in natura.
No caso, o pai alegou que arcou, por cerca de dois anos, com o pagamento do aluguel, taxa de condomínio e IPTU do imóvel onde o filho residia com sua mãe. Contribuindo de forma efetiva para o atendimento de despesa incluída na finalidade da pensão alimentícia, viabilizando a continuidade da moradia do alimentado.
Ele afirmou que o contrato de locação do referido imóvel estava em seu nome, de modo que, ao invés de realizar os depósitos mensais, passou a priorizar o atendimento direto das despesas de moradia do filho.
Em primeiro grau, foi determinada a dedução dessas despesas do valor do débito, reconhecendo que o pai proporcionou moradia para o filho, com o consentimento de sua genitora.
No acórdão recorrido, o TJRJ, por maioria, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente. O caso chegou ao STJ como recurso especial.
Para o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, “ainda que não adimplida integralmente a parcela mensal fixada em pecúnia, o pagamento in natura efetivamente foi destinado à subsistência do filho, mostrando-se razoável o seu abatimento no cálculo da dívida, sob pena de obrigar o executado ao duplo pagamento da pensão, gerando enriquecimento ilícito do credor”.
Segundo Sanseverino, não é incomum, no âmbito das relações de família, a realização de acordos informais entre os pais do alimentado, “alterando-se a forma de pagamento da pensão fixada em juízo e passando o alimentante a realizar o pagamento direito de obrigações alimentares”.
Neste cenário, o ministro entendeu cabível a relativização da regra da incompensabilidade da verba alimentar para reconhecer a quitação parcial do débito exequendo. Esta regra está disposta no artigo 1.707 do Código Civil, segundo o qual “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito alimentar insuscetível de compensação ou penhora”.
Para a defensora pública Cláudia Aoun Tannuri, vice-presidente da Comissão dos Defensores Públicos de Família, do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o ministro relator admitiu a possibilidade de relativizar a regra da incompensabilidade da verba alimentar, de forma “excepcional”.
“Referida regra, prevista nos artigos 373, II, e 1707 do Código Civil, justifica-se pelo caráter personalíssimo do direito de alimentos, e pelo escopo de assegurar ao alimentado os meios indispensáveis à sua manutenção. Assim, cabe a ele, alimentado, dispor do crédito, para o suprimento de suas necessidades, da forma que lhe convier”, diz. “A relativização da regra somente pode ocorrer em situações excepcionais, para evitar eventual enriquecimento sem causa, e com a anuência, ainda que tácita, do credor, quanto o alimentante presta alimentos in natura, consistentes em despesas necessárias e inerentes à subsistência (como moradia e educação)”, esclarece.
Para ela, a decisão atentou para as peculiaridades do caso concreto, “observando-se que o Ministro relator foi muito ponderado em sua fundamentação”. Contudo, segundo Tannuri, é importante ressaltar que a decisão não pode ser aplicada indistintamente, em todos os casos, “de modo a permitir que o alimentante justifique a falta de pagamento dos alimentos em pecúnia com o oferecimento de outras prestações, sem a anuência do credor”.
“Em geral, em tais casos, essas outras prestações são classificadas como meras liberalidades, e que não autorizam a compensação com os alimentos em pecúnia.
Como bem ressaltado pelo Ministro relator, a análise de tais situações deve ser sempre caso a caso, notadamente quando se trata de relações familiares, envolvendo direitos indisponíveis de pessoas em situação de vulnerabilidade, notadamente crianças e adolescentes”, reflete.
Fonte: IBDFAM