Por Ana Beatriz Lisboa Pereira Melo
Muito embora as pessoas jurídicas tenham existência autônoma, com patrimônio e vida financeira distinta da de seus sócios, nos últimos anos, o uso abusivo e indiscriminado da desconsideração da pessoa jurídica enfraqueceu estas distinções com aumento significativo da insegurança jurídica para empreendedores de todos os níveis.
Isto porque, muito embora o Direito tenha avançado para coibir o uso abusivo e fraudulento das pessoas jurídicas, a extensão do uso do instituto da desconsideração aos mais variados casos, sem grandes exigências no que tange as justificativas para o afastamento da pessoa jurídica, terminou por gerar uma injustificável confusão entre a figura do empresário e da empresa.
Ou seja, tanto a empresa é punida nos casos de desvio de conduta de sócios ou prepostos, como o empresário confunde-se com a figura da empresa, de tal sorte que termina por colocar seu patrimônio pessoal em risco sempre que empreende. Isto, em última instancia, representa grande desprestigio a personalidade jurídica, instituto cuja criação foi essencial ao desenvolvimento da atividade econômica.
No entanto, este cenário pode estar mudando.
Recentemente quando do julgamento dos Embargos de Divergência no RE nº 1.306.553-SC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que os sócios de uma sociedade empresária só podem ser responsabilizados por dívidas desta quando há confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da sociedade ou desvio de finalidade.
Assim, firma-se o entendimento segundo o qual a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada nas situações extremas previstas taxativamente no art. 50 do Código Civil, a saber: abuso de personalidade jurídica por excesso de mandato, confusão patrimonial ou desvio da finalidade da sociedade.
Neste sentido, para que se possa atingir os bens dos sócios, deve ser comprovado que estes agiram com dolo, desvirtuando os fins institucionais da sociedade e servindo-se desta para lesar credores ou terceiros.
Muito embora esta decisão aplique-se apenas na esfera civil, é certo que ela representa a escolha do STJ pelo princípio da autonomia patrimonial da personalidade jurídica, norma fundamental ao longo da história para o desenvolvimento das relações comerciais, estabelecendo critérios que permitirão a manutenção das garantias para aqueles que fizerem bom uso da pessoa jurídica, mas também o afastamento da desconsideração em casos de fraude com lesão a esfera de direitos de terceiros.