No Rio Grande do Sul, pessoas não binárias, que não se identificam como homem nem como mulher, poderão alterar prenomes e gêneros no registro de nascimento. A mudança deverá ser feita conforme a identidade autopercebida, independentemente da autorização judicial. O avanço veio na semana passada com o Provimento 16/2022 da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul – CGJ-RS.
A expressão “não binário” poderá ser incluída no registro mediante requerimento feito pela parte junto ao cartório. A validade é para pessoas maiores de 18 anos completos, habilitadas à prática de todos os atos da vida civil. A determinação é pioneira, uma vez que permite a alteração de forma administrativa, sem necessidade de buscar a via judicial.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela possibilidade de alteração administrativa do registro civil do prenome e do gênero com base na identidade autopercebida. Entretanto, as normativas administrativas vigentes não abordam expressamente a hipótese de registro de pessoas cuja identidade autopercebida é não binária, o que as tem obrigado a buscar a esfera judicial.
O desembargador Giovanni Conti, corregedor-geral de Justiça no Rio Grande do Sul, destacou que o Poder Judiciário deve acompanhar a evolução das relações humanas, respeitando a vontade dos cidadãos quando do registro civil, reconhecendo a pluralidade identitária da sociedade brasileira. “O Judiciário deve acolher e se aproximar dos anseios e desejos do jurisdicionado, respeitando a liberdade no registro civil da identidade não binária de gênero, tornando plena e efetiva a cidadania.”
Inclusão social, econômica e política independentemente do gênero
Vice-presidente da Comissão de Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada e professora Karin Regina Rick Rosa fala sobre o tema. Ela ressalta que o Provimento 16/2022 da CGJ-RS busca atender os itens 10.2 e 10.3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, “no sentido de empoderar e promover a inclusão social, econômica, e política de todos, e garantir a igualdade de oportunidades, independentemente do gênero, entre outros”.
“É interessante observar que a previsão de inclusão da expressão ‘não binário’ no assento de nascimento já foi objeto de apreciação judicial em alguns Estados, havendo precedentes autorizando-a. O que muda com o provimento é a desnecessidade da tutela jurisdicional para que esse direito seja exercido pelo seu titular”, destaca Karin.
Ela pontua que, no caso do Rio Grande do Sul, a previsão foi acrescida, na forma de parágrafo, ao artigo 161, que trata justamente da alteração de nome e gênero pelos transgêneros, que veio regulamentada no âmbito nacional pelo Provimento 73 do CNJ. “Há também norma específica para tratar do registro dos filhos com genitor transgênero e não binário.”
É possível que outros estados também regulamentem a questão
“O que se observa é que, tanto no caso dos transgêneros quanto no caso de pessoas não binárias, a questão está relacionada à identidade de gênero e não a algum aspecto biológico, diferentemente do que acontece no outro caso também previsto em norma da CGJ gaúcha, denominado anomalia de diferenciação sexual. Igualmente, tem-se que hoje a informação relativa ao sexo no assento de nascimento não é mais exclusivamente vinculada ao critério biológico”, avalia Karin Regina Rick Rosa.
De acordo com a especialista, essa mudança tem relevância na medida em que a certidão de nascimento é o documento primeiro de identificação da pessoa, da qual são extraídas as informações para emissão de outros documentos de identidade. “Historicamente, passamos por essa evolução, pois, em um primeiro momento, as decisões judiciais autorizavam tão somente a alteração do nome, não permitindo que o gênero – identificado como sexo no assento – pudesse ser alterado.”
“Ao reconhecer que ter um documento trazendo um nome feminino e o sexo masculino, ou vice-versa, fere o direito à dignidade é que avançamos para o patamar do Provimento 73. Agora, vemos mais um passo dado com a possibilidade de inclusão da expressão ‘não binário’. Considerando os precedentes no Judiciário, é possível que outros estados regulamentem a questão ou que até mesmo uma normativa do CNJ trate do assunto”, conclui a advogada.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM