Um provedor de aplicações de internet foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil a uma mulher que, após fim do relacionamento, teve fotos íntimas divulgadas sem autorização em rede social pelo ex-companheiro. A prática é conhecida como “pornografia de vingança”. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

A mulher teve fotos íntimas, em que aparece nua ou com trajes como biquínis ou adornos sexuais, divulgadas por um ex-namorado. A publicação foi em 2013, antes de entrar em vigor o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Desta forma, o colegiado aplicou jurisprudência do STJ sobre a responsabilidade de provedores por conteúdo gerado por terceiro.

À época da publicação do conteúdo ofensivo, a mulher utilizou canais de comunicação da rede social para solicitar a retirada do conteúdo, mas a remoção das imagens com nudez só ocorreu depois que a vítima entrou na Justiça e conseguiu uma liminar. Na sentença, o juiz confirmou a liminar e condenou a rede social ao pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP afastou a indenização, por entender que a rede social cumpriu a ordem judicial de retirada das imagens que continham nudez e que não houve ilicitude na manutenção das demais. Fotos em que ela aparecia parcialmente vestida ou sem o rosto à mostra foram mantidas. Além disso, para o Tribunal, a ação indenizatória poderia ser proposta contra o autor das publicações.

Exibição do rosto e vestimenta não impedem que haja dano moral

As especificidades elencadas pelo TJSP foram consideradas irrelevantes pela ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, que reformou o acórdão anterior. Ela argumentou que o dano moral consiste no fato de a vítima saber que sua intimidade foi desrespeitada. Além disso, a exposição não autorizada foi humilhante e viola os direitos de personalidade.

A ministra destacou ainda que as discussões sobre a responsabilidade civil dos provedores de aplicações – como as redes sociais – apresentam grande complexidade. Segundo ela, a dificuldade é ainda maior quando esses meios não exercem controle prévio sobre o que fica disponível on-line, o que afasta a responsabilidade sobre os conteúdos.

Por não ser vigente à época, Nancy entendeu não ser aplicável ao caso o artigo 19 do Marco Civil, segundo o qual os provedores só podem ser responsabilizados civilmente pelos danos decorrentes de publicações feitas por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem providências para tornar o conteúdo indisponível.

Para a solução do caso, a ministra se guiou pela jurisprudência do STJ vigente antes do Marco Civil, segundo a qual o provedor se torna responsável pelos danos morais quando deixa de retirar o material ofensivo depois de ser alertado pelos canais fornecidos na própria plataforma. A relatora comentou ainda que, em se tratando de conteúdo íntimo, a referida lei dispensa a necessidade de ordem judicial, como estabelecido no artigo 21.

Ainda ao contrário do entendimento do TJSP, ela enfatizou que a violação da intimidade não se dá apenas por meio de imagens com nudez total ou cenas de atos sexuais que envolvam conjunção carnal. Em algumas das fotos, como consta nos autos, a recorrente se encontrava vestida, mas em posições com forte apelo sexual, feitas para um parceiro por quem ela nutria confiança. O processo corre em segredo judicial.

Pornografia de vingança teve penalidade regularizada em 2018

Presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Adélia Moreira Pessoa tratou da pornografia de vingança em sua palestra no XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, promovido no ano passado.

Em entrevista, à época, Adélia esclareceu que a chamada revenge porn passou a ser considerada violência de gênero, podendo, atualmente, ser enquadrada como violência doméstica e sujeita à ação penal pública incondicionada, conforme previsto no Código Penal, em seu artigo 225, com a redação dada pela Lei 13.718/2018, que trata de importunações sexuais.

Segundo a advogada, a culpabilização em sua esfera social ainda é um obstáculo enfrentado por quem sofre com a pornografia de vingança. Ainda é comum o argumento machista de que a vítima não deveria ter se mostrado ou se exibido diante de parceiros ou mesmo enviado fotos íntimas a eles.

“A revenge porn é uma conduta altamente danosa e a exposição descontrolada da intimidade e vida sexual tem tido repercussões muito graves para as vítimas, resultando em relatos de suicídios, vidas reclusas, sintomas severos de depressão, pânico e ansiedade, necessidade de esconder-se e adotar novas identidades”, observou a advogada.