A semana foi marcada por intensos protestos antirracistas em todo o mundo, incitados pelo levante que teve início na semana passada, nos EUA. Em 25 de maio, o assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado até a morte por um policial branco, em Minneapolis, foi o estopim da onda de manifestações e denúncias contra a violência e a discriminação da população negra em vários países.
Para a advogada Caroline Vidal, presidente da Comissão da Diversidade Racial e Etnia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, os protestos propiciam a reflexão. “O momento é de visibilidade da importância da luta antirracista e de revisão de valores, sobretudo quanto ao tratamento dado às pessoas negras”, afirma.
“Estamos tendo a oportunidade de verbalizar e expandir conhecimento sobre a temática. Nossa luta é decorrente de um contexto histórico que nos silencia há anos. É muito difícil ter essa abertura na mídia comum e não ser classificado como vitimista”, pontua Caroline.
Segundo a advogada, muitos não entendem quando se fala em “privilégio branco”, expressão que diz respeito ao lugar cômodo ocupado por parte da população que não enfrenta qualquer tipo de discriminação por conta da raça.
Tragédias brasileiras
A advogada lamenta que tragédias brasileiras, semelhantes à que ocorreu com George Floyd nos EUA, não ganhem a mesma visibilidade, mesmo no nosso próprio País. Ela lembra os assassinatos da menina Ágatha, em setembro de 2019, no Rio de Janeiro, e do adolescente João Pedro, no mês passado, em São Gonçalo, também no Estado do Rio. Ambos foram mortos por policiais.
Segundo dados do Mapa da Violência Policial, divulgados pelo site Poder360, a polícia dos Estados Unidos matou 1.099 pessoas em 2019. Dessas, 259 eram negras (24%). No Brasil, foram quase seis vezes mais vítimas: 5.804 até o ano passado. Do total, 75% (ou 4.533) eram negros.
De acordo com Caroline, o movimento antirracista no Brasil convive com a indiferença e inferioridade. As comparações com a luta norte-americana não compreendem que se tratam de contextos diferentes, mas igualmente marcados pela discriminação. “Lamentável que os nossos olhos se espelhem tanto nos olhares estrangeiros, quando todos os dias morrem milhares de negros que, ao final, viram apenas estatísticas. O Brasil assistiu a vários assassinatos de pessoas negras recentemente e nada foi feito”, alerta a advogada.
“Somos doutrinados a acreditar que essa realidade não existe no Brasil e que não temos uma estrutura racista. O brasileiro não consegue ver que, por aqui, o racismo é velado e ocorre, inclusive, quando a própria pessoa negra não se reconhece dessa forma e se embranquece ao longo do tempo para ser aceita socialmente”, observa Caroline.
Ela afirma que parte da população negra brasileira não se reconhece assim devido a um processo de negação para a própria sobrevivência. “Nossa colonização e as leis vindas após a abolição só contribuem para a exclusão do negro. Para muitos, o embranquecimento é a única solução para a aceitação no meio onde vivemos”, detalha.
Manual antirracista
“Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista.”
A frase da filósofa e ativista norte-americana Angela Davis é frequentemente usada no enfrentamento dessa dura realidade. Para quem deseja ampliar seu repertório a fim de contribuir com a luta antirracista, o IBDFAM pediu que a presidente de sua Comissão da Diversidade Racial e Etnia indicasse produtos culturais sobre o tema. Confira as dicas:
Livro “Pequeno Manual Antirracista”, da filósofa brasileira Djamila Ribeiro
“Os livros da Djamila são de fácil leitura, de grande impacto e inquietação. Falam como é a estruturação do racismo, como ele ocorre, as segregações impostas e o porquê de não nos identificarmos como um país racista.”
Série “Olhos que Condenam”, da Netflix
“Trata de um caso real. Nós, brasileiros, ainda costumamos usar os EUA como referência de modelo de justiça. Essa série quebra um paradigma ao mostrar que tribunais norte-americanos também erram.”
E ainda: o Festival de Cannes divulgou nesta semana a lista de produções selecionadas para 2020. Entre eles, está o brasileiro “Casa de Antiguidades”, do diretor João Paulo Miranda. Com Antonio Pitanga como protagonista, o filme narra a história de um operário negro e aborda o racismo com um recorte no interior do Brasil.
Fonte: IBDFAM