O público LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais), além de todos aqueles que lutam pela igualdade de direitos e contra o preconceito no Brasil, ainda aguardam pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que adiou pela segunda vez, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 que trata da possibilidade da população transexual mudar o registro civil independentemente da cirurgia de transgenitalização. Apesar disso, já existem algumas resoluções que visam facilitar a vida dessas pessoas, demonstrando que o Direito pode e deve estar atento às demandas da sociedade.
Um exemplo claro desta inovação está no Nordeste. Em fevereiro deste ano, a Procuradora-Geral de Justiça do Estado da Bahia, Ediene Santos Lousado, recomendou aos representantes do Ministério Público que durante os procedimentos de habilitação de casamento fossem atendidas as exigências indicadas pelo art. 1.525 do Código Civil, de modo a evitar menções expressas ou lançados documentos com informações sobre a realização de retificação de nome ou estado sexual e que fossem evitadas diligências no sentido de conferir conhecimento a um dois noivos sobre eventuais alterações no registro do outro.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias, presidente da Comissão de Promotores do IBDFAM e assessor especial da Procuradoria Geral de Justiça da Bahia (PGV), a ideia central do Ministério Público foi garantir inclusão social e cidadania e fomentar um processo de respeito à igualdade, através da garantia à alteridade. “Com isso, a Recomendação pretende evitar que Promotores de Justiça, no exercício de sua autonomia funcional, ao atuar em habilitações para casamento, venham a violar a vida privada e íntima de quem se submeteu a uma cirurgia de transgenitalização. A informação é, sem dúvida, íntima e somente pode ser compartilhada pela vontade expressa do titular. Com isso, buscou-se uma efetividade de direitos fundamentais”, comenta.
Mais recentemente, em maio, a mesma Procuradoria Geral de Justiça determinou, por meio de Ato Normativo (007/2017), que fosse autorizado o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis, transgêneros ou transexuais no âmbito do Ministério Público do Estado da Bahia, mediante simples requerimento, a qualquer tempo, da pessoa interessada, sem qualquer constrangimento ou exposição de sua vida privada.
“O Ato Normativo garante ao cidadão interessado a utilização do nome social em qualquer procedimento do Ministério Público, seja cível ou criminal. São importantes medidas de conteúdo garantista para o exercício de cidadania”, afirma Cristiano Chaves. O promotor vê estas ações do MP como uma excelente oportunidade de superação de preconceitos e abertura do Poder Público para a diversidade de gêneros, que corresponde, em última análise, ao próprio exercício de direitos fundamentais.
Apesar da pendência no STF, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou, em maio, o entendimento de que, mesmo sem a realização de cirurgia, seria possível a alteração do sexo constante no registro civil da transexual que comprovasse judicialmente a mudança de gênero. Nesses casos, a averbação deveria ser realizada no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial, proibida a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão “transexual”, do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais.
Deste modo, Cristiano Chaves entende que a decisão do Supremo pode servir como singular momento de ampliação do direito ao nome social, reconhecendo que o conceito de estado sexual não se restringe à genitália. “Permite ao titular alterar o seu estado sexual, independentemente de cirurgia. Pessoalmente, acho que poderia se permitir, inclusive, sem a decisão judicial, diretamente em cartório, como no direito argentino”, complementa.