A pedido da Defensoria Pública de Pernambuco, a identidade de gênero de Lorena Muniz, mulher trans que morreu em 2021 durante um incêndio em uma clínica estética em São Paulo, foi reconhecida postumamente, um marco inédito no Estado nordestino e o segundo do gênero no Brasil.
Lorena morreu durante um incêndio no local onde realizaria um implante de silicone. Segundo relatos, a vítima já estava sedada no momento do incêndio e a clínica não atendia às condições necessárias de funcionamento. Um processo criminal contra seis pessoas por homicídio culposo foi deflagrado após uma denúncia no Ministério Público do Estado de São Paulo. Além do crime, o caso acendeu a discussão sobre o acesso da população trans a direitos básicos, como saúde e respeito à identidade e gênero.
Sem sua identidade de gênero legalmente reconhecida, consta na certidão de óbito de Lorena uma desconformidade com seu nome e gêneros autopercebidos, e só após articulações da Defensoria Pública de São Paulo, organizações da sociedade civil e mandados legislativos, que o órgão passou a atuar para reconhecer a identidade de gênero de Lorena, possibilitando, assim, a sua dignidade póstuma.
Maria Berenice Dias, advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, observa que a morte não deve interromper a preservação da dignidade de direitos fundamentais. “Nos direitos fundamentais, prestigiados de forma reiterada pela Constituição da República, há o direito de identidade e de personalidade”, ressalta.
De acordo com a vice-presidente do IBDFAM, o fato de que Lorena Muniz não tenha alterado a sua identidade de gênero em seus registros enquanto viva não implica mudanças com a forma como ela se identificava diante da sociedade. “O fato de ter ocorrido a morte da pessoa antes que ela tivesse tomado a providência de promover a alteração de identidade de gênero não significa que ela não tivesse a identidade com a qual se identificava. Como tal, cabe à Justiça assegurar esse direito ainda que a pessoa tenha falecido”, comenta.
A advogada avalia que o tema foi conduzido com muita sensibilidade pela Defensoria Pública de Pernambuco. “O tema foi tratado com uma enorme percepção de que a identidade de uma pessoa não se restringe ao que consta no seu registro de nascimento. As cortes judiciais deste país já ratificaram por meio de decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que o direito à identidade de gênero é um direito humano fundamental e as pessoas têm direito a sua adequação registral”, destaca Maria Berenice.
Direitos Sucessórios
O reconhecimento da identidade de gênero não afeta o direito sucessório do companheiro de Lorena, segundo esclarece a advogada, uma vez que o direito à herança é assegurado a descendentes, ascendentes, cônjugues e companheiros. “Mesmo sem a mudança, claramente há a possibilidade de ser reconhecida a existência do vínculo de natureza familiar que gera consequências e ordem sucessória”, pontua Maria Berenice.
Ela reflete: “Toda e qualquer decisão que venha assegurar direitos diante da omissão perversa do nosso legislador são marcos que merecem ser festejados”, celebra a vice-presidente do IBDFAM.
O caso também ganhou notoriedade política e tornou-se o Projeto de Lei nº 97/2021, protocolado na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) pela deputada estadual Erica Malunginho (PSOL). A proposta reivindica o respeito ao uso do nome social em certidão de óbito e lápides de travestis e pessoas trans, reconhecendo o nome social mesmo que este não conste no registro de nascimento. Um projeto semelhante também foi protocolado na Assembleia Legislativa de Pernambuco, sob a autoria da deputada Laura Gomes (PSB), assegurando uso do nome social em lápides, jazigos e nas cerimônias de despedida.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Defensoria Pública de Pernambuco)