O XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões chegou ao fim nesta sexta-feira, 18 de outubro, após três dias de palestras e mesas-redondas acerca do tema “Famílias e Vulnerabilidades”. Realizado no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, o evento reuniu grandes nomes do direito de família e sucessões no País, mobilizando um público de 1.500 pessoas.

O presidente nacional do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, fez um balanço sobre os três dias do evento, que ele definiu “como uma imersão, com 1.500 pessoas mergulhadas pensando e refletindo o direito das famílias, a partir de temas variados”. E completou: “É sempre uma grande confraternização”.

O advogado ressaltou que o evento busca conhecimento, atualização e aprimoramento com a participação de grandes doutrinadores que compartilham suas experiências na pluralidade do debate, com um olhar mais humano e afetuoso. “Agradeço a presença de todos e espero recebê-los, daqui a dois anos, no XIII Congresso Nacional do IBDFAM.”

Direitos Humanos

A advogada e professora Fernanda Barretto, diretora nacional do IBDFAM, abriu a tarde de palestras do último dia com a pergunta “Como analisar a interlocução entre o Direito das Famílias e o sistema de Direitos Humanos?”. Ela lembrou da função primordial das famílias de formar pessoas.

Fernanda destacou que boa parte das violações de direitos ocorre dentro das famílias, como violência sexual, feminicídio, homofobia e transfobia. “A família é o primeiro vetor de direitos e noções socioculturais de um indivíduo. Quanto mais a família educa para a diversidade e para o respeito, mais eficaz é o sistema de direitos humanos como um todo”, ressaltou.

Intersexo

“Intersexuais, uma categoria invisível: a pessoa intersexo deve ter o direito de escolher sua identidade de gênero?” foi a pergunta levantada por Shay Bittencourt, psicólogo em formação e diretor da Associação Brasileira de Intersexos – ABRAI. O tema também foi destaque no último dia.

“É significativo falar para um público especializado, das áreas da lei e do direito das famílias. Minha intenção é trazer luz às questões do intersexo, principalmente sobre o registro e as mutilações infantis (de designação sexual), realizadas de forma arbitrária e por finalidade estética”, relatou o palestrante.

Crianças e adolescentes

A advogada Renata Cysne, presidente do IBDFAM-DF, subiu ao palco com o seguinte questionamento: “Qual a diferença entre guarda alternada e guarda compartilhada com residência alternada?” De acordo com a palestrante, as diferenças entre esses institutos ainda geram confusão.

“A guarda está no poder das decisões, compartilhamento de cuidados, atribuição de poderes e deveres inerentes à relação parental. Já a convivência é o tempo que efetivamente cada um passa com o filho”, diferiu Renata. “Quando se tem uma guarda compartilhada, pode-se ter também uma convivência alternada, que seria uma divisão de tempo mais igualitária”, explicou a advogada.

O cuidado com os menores seguiu em debate na palestra da psicanalista Giselle Groeninga, diretora nacional do IBDFAM: “A atuação de equipes pluridisciplinares tem sido uma contribuição eficaz? Quais as técnicas viáveis e audição e inquirição de crianças/adolescentes?” Segundo Giselle, os menores acabam, por vezes, sendo mais objetos do que sujeitos de Direito.

A eficácia das equipes pluridisciplinares nos casos que envolvam menores depende do contexto, dos profissionais e do objetivo. “Se desconsiderarmos a importância dos especialistas, será reduzida a complexidade das relações, o que deve ser evitado”, destaca Giselle.

Novas configurações familiares

Em sua palestra, o advogado Paulo Lépore, vice-presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, questionou “Epigênese e epigenética: quais os impactos da herança genética na filiação afetiva e adoção?”. De acordo com ele, há anos existe a propalação de uma “meia-verdade” de que a família biológica é o lugar ideal para que a criança nasça e se desenvolva.

“Existem outras formas de família, como aquela formada por adoção e a socioafetiva. Elas também permitem que as crianças e os adolescentes se desenvolvam de forma saudável”, destacou o advogado.

Já Luciana Faísca, presidente do IBDFAM-SC, questionou “O limiar tênue entre pai socioafetivo e padrasto: o que os diferencia?”. Ela atentou ao grande número de famílias recompostas, contexto em que ocorre uma confusão de conceitos na delimitação dos papéis.

“O padrasto tem uma relação diferenciada, com um pouco menos de direitos e responsabilidades. Ser padrasto depende apenas do casamento, enquanto o pai socioafetivo depende da configuração de uma relação fática (com o filho)”, difere a advogada. “O padrasto pode ter afeto pelo enteado, mas não é o afeto na intenção de torná-lo filho”, assinala.

Tutela jurídica dos animais

O advogado e professor Francisco José Cahali, diretor nacional do IBDFAM, questionou se “A tutela jurídica dos animais pode ser inserida no âmbito do Direito das Famílias?”. Segundo o palestrante, a jurisprudência já registra a custódia compartilhada e o rateio das despesas dos bichos quando o casal se separa.

“Nossas decisões têm sido favoráveis, reconhecendo os animais como seres sencientes, dotados de sentido, e que carecem de proteção”, conta Cahali.

Pessoas com deficiência seguiram na pauta

“A constituição das famílias por pessoas portadoras de deficiência à luz do EPD: vulnerabilidade ou invulnerabilidade?” foi a palestra apresentada pelos advogados Wiliam Loro de Oliveira e Laís Prado Gomes a partir de artigo científico assinado pela dupla.

No encontro, eles ressaltaram a importância do Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas questionaram medidas que, visando a autonomia, acabam levando à desproteção. “Nesses casos, pessoas relativamente incapazes estarão relegadas à própria sorte”, afirma William.

“Nosso artigo tenta mostrar que o cuidado é uma forma de garantir um princípio constitucional, principalmente cuidar também significa incluir”, defende Laís. “A falta desse cuidado pode gerar problemas não pensados pelo legislador”, acredita a advogada.

O debate se aproxima daquele levantado pelo advogado e professor João Aguirre, presidente do IBDFAM-SP: “As normas do Código de Processo Civil sobre curatela com interdição são compatíveis com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizadas no Brasil em 2008? Elas são mais protetivas aos ‘incapazes’?”.

Segundo o palestrante, as normas do CPC acabaram revogando várias do EPD e, além disso, estão ultrapassadas. “Merecem uma revisão direcionada pela igualdade, pela tutela da dignidade da pessoa humana e pela construção de uma ordem jurídica mais justa e solidária”, defende João Aguirre.

Litígios de Família

O advogado Marcelo Truzzi, diretor nacional do IBDFAM, por sua vez, apresentou a palestra “O Código de Processo Civil dispõe de instrumentos eficazes para os litígios de Família e Sucessões?”. Ele ressaltou que é preciso adequar os termos do CPC às necessidades do Direito das Famílias.

“Embora exista um capítulo específico para essas questões, o Código não trata de várias questões que a comunidade jurídica anseia. Nossa intenção é apontar saídas dentro do sistema que tragam tutela àqueles que carecem de proteção jurídica”, disse Truzzi.

Pacto antenupcial e contrato de convivência

Uma mesa-redonda debateu os seguintes temas: “Os cônjuges e companheiros podem afastar o teor da Súmula 377 do STF por meio de pacto antenupcial ou de contrato de convivência? A atual interpretação do STJ sobre a Súmula 377 é correta tecnicamente?”

O advogado e professor Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, ressaltou que o objetivo era discutir a efetividade da súmula, sua vigência e a possibilidade do seu afastamento em pactos antenupciais. “Essa famosa súmula 377 incide nos casos de separação obrigatória de bens no Direito de Família brasileiro, permitindo que os cônjuges a afastassem se quisessem”, afirmou.

Já o professor José Fernando Simão, diretor nacional do IBDFAM, ressaltou a vulnerabilidade da mulher nos casos de pacto antenupcial e separação de bens obrigatória. “As mulheres ainda ganham menos que os homens, têm tripla jornada e vivem nessa sociedade machista. Com a separação de bens, elas acabam prejudicadas”, observa.

A advogada Ana Luiza Nevares, diretora nacional do IBDFAM, por sua vez, destacou que o tema traz princípios para o regime de separação legal e acabam sendo, portanto, uma armadilha para os nubentes que se casam no regime de separação legal. “Depois do casamento, eles se veem inseridos em um sistema da comunhão parcial por força desse verbete 377, que é antigo, aprovado na década de 1960”, sinaliza.

Políticos marcaram presença na última mesa-redonda

Voltada aos processos legislativos, a última mesa-redonda reuniu o ex-deputado federal Sérgio Barradas e os senadores Fabiano Contarato (REDE-ES) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Eles destacaram a atuação do IBDFAM no cenário político nacional.

Segundo Barradas, o instituto leva bom senso e afeto às questões de família. “O Direito das Famílias no Brasil caminha sem leis, por meio da produção doutrinária e da jurisprudência”, comentou o advogado. “Os congressos do IBDFAM são importantíssimos para consensuar teses que atendam às relações sociais ainda sem previsões legais”, assinalou.

Para Fabiano Contarato, o IBDFAM é um guardião dos direitos humanos e sociais em um momento de retrocessos. “Levamos décadas para conquistar direitos, mas perdê-los é muito fácil. Estamos vivendo um momento de fundamentalismo exacerbado no que tange às famílias, além de um desmonte ambiental”, destacou o senador.

“Sou o maior defensor da advocacia no Congresso Nacional”, afirmou Rodrigo Pacheco. “É o advogado que garante o direito e se coloca entre o cidadão e o Estado para garantir que certos direitos possam prevalecer. Alguns consideram que os advogados são o estorvo do processo. Não podemos deixar essa opinião continuar”, concluiu o senador.