O Supremo Tribunal Federal – STF começou nesta quarta-feira, 25, a discutir se duas pessoas que tinham relacionamento estável simultâneo com um mesmo homem, já falecido, devem dividir a pensão por morte paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O julgamento do Recurso Extraordinário 1045.273/SE foi interrompido por um pedido de vista do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, quando o placar estava em 5 a 3 votos a favor da divisão da pensão. Não há prazo definido para que o caso volte à discussão em plenário.
O caso concreto diz respeito a um homem que, ao menos por doze anos, manteve dois relacionamentos estáveis ao mesmo tempo: um com uma mulher e outro com um homem. Após a morte dele, a mulher obteve o reconhecimento da união estável e passou a receber a pensão por morte. O segundo companheiro passou então a pleitear na Justiça a divisão do benefício, alegando que também tinha união estável paralela com o falecido. O caso tem caráter de repercussão geral e seu desfecho servirá de parâmetro para todos os outros processos do tipo.
No julgamento, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso votaram pelo provimento. Enquanto Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski disseram que não seria possível reconhecer uma segunda união estável.
Consta na pauta do STF outro processo similar, o REx 883.168/SC, no qual o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM atua como amicus curiae. Ainda sem data para ser apreciado.
Para o advogado Marcos Alves da Silva, diretor nacional do IBDFAM, a questão das uniões paralelas ou simultâneas é um tema que interessa a todos os brasileiros. A possibilidade da convivência de duas conjugalidades ao mesmo tempo traz efeitos jurídicos da maior relevância.
“Um deles diz respeito ao direito previdenciário, que é o que está em pauta no Supremo. Isto é, a possibilidade da divisão da pensão por morte entre dois companheiros, de duas relações estáveis diferentes, ou a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do casamento e da união estável paralela ao casamento, em caso de morte daquele que era o companheiro de uma e o esposo da outra”, afirma.
Além disso, ele afirma que, se há possibilidade de surgimento de famílias para além do casamento, quebrou-se uma referência que era o paradigma implícito ao casamento com a proibição da bigamia, de dois casamentos concomitantes e da quebra da regra da monogamia enquanto uma regra jurídica de exclusão.
“O fato de reconhecer a possibilidade da união estável trouxe uma verdadeira revolução em termos de Direito de Família, trazendo repercussões que ainda hão de ter desdobramentos no entendimento jurídico futuro como norma de inclusão de famílias que até então estavam colocadas à margem, na condição de invisibilidade jurídica. Portanto, espera-se que esse julgamento do Supremo Tribunal Federal, em relação à possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, traga um alento para essas pessoas que ficaram à margem da proteção e da tutela jurídica do Estado”, enfatiza.
Julgamentos paralelos
Como consta na pauta do STF outro processo similar, por que os dois não foram apreciados juntos para dar maior celeridade ao tema? De acordo com Marcos Alves da Silva, isso não acarretará incompatibilidade entre os dos julgamentos. Mas como eles não serão julgados em conjunto, o fato é que aquele que está sendo primeiro julgado trará, em alguma medida, efeitos para o entendimento que se estabelecerá em relação ao segundo.
“Dificilmente o STF poderá estabelecer, em relação a esses dois julgamentos, entendimentos díspares. Eles terão que ter um acento, um fundamento jurídico comum para embasar a tese que será fixada ao final em relação à repercussão geral desses julgamentos. Ou seja, são dois recursos extraordinários que trazem temas com uma proximidade enorme, muito embora as situações de fato sejam um pouquinho diversas. Mas o pano de fundo da decisão que o STF terá que tomar em relação a essa matéria é idêntico”, frisa.
Então se o entendimento for pela prevalência do princípio da pluralidade das entidades familiares, do respeito à diversidade, da tutela mais ampla possível daqueles que estão em posição de vulnerabilidade, especialmente da mulher que até então era considerada como concubina e colocada à margem da possibilidade de tutela jurídica, isto trará uma mudança significativa para a compreensão da conjugalidade contemporânea.
“Eu creio que, como esses julgamentos não serão concomitantes, como são os casos desses dois recursos extraordinários, o segundo julgamento será, em grande medida, conduzido pelo entendimento que for estabelecido naquele em que primeiro for fixado uma decisão”, enfatiza.
“Amor e morte – contra um Direito de Família póstumo”, artigo aborda amor proibido de Dom Pedro e Inês de Castro
Em artigo publicado, recentemente, com exclusividade no portal IBDFAM, o advogado reflete sobre “a marcante história de amor de Portugal”, o proibido amor entre Dom Pedro e Inês de Castro que era dama de companhia de sua mulher, Dona Constança Manuel. Clique aqui e confira o texto completo.
Ainda sobre uniões simultâneas, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, menciona em artigo recente: “outro bom exemplo de fetichismo da lei, e que reforça o dogmatismo que não deveria mais ter lugar em um ordenamento jurídico que se compreenda o sujeito de direitos como sujeito de desejos, é o artigo 1.727 do CCB. Diz este artigo que as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de se casarem é considerando concubinato. Isto significa que eventuais direitos daí decorrentes terão que ser extraídos no campo do direito obrigacional. Em outras palavras, não podem ser consideradas famílias”.
Ele reflete: “O fetichismo está em considerar que a lei (art. 1727 CCB) vale mais do que a realidade. Em outras palavras, mesmo comprovando que ali há um núcleo familiar, ainda que simultâneo à outra família, ele tem que ser negado, pois a lei vale mais do que a realidade”.