O Supremo Tribunal Federal (STF) tem previsão de julgar, nesta quinta-feira, 20, o Recurso Extraordinário (RE 670422) que visa à possibilidade da mudança do nome incluso no registro de nascimento, mesmo sem a cirurgia de transgenitalização das pessoas transexuais. O julgamento é o primeiro da pauta e está marcado para começar às 14h. O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) atua como amicus curiae neste processo e defende o direito da população Trans de utilizar um nome social independentemente de realizar procedimento cirúrgico.

A advogada e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do IBDFAM, Patrícia Gorisch, acredita que teremos boas notícias para garantia dos direitos das pessoas transexuais. “Já passou da hora de o Brasil reconhecer definitivamente os direitos desse público. Esperamos que os nossos ministros entendam isto. Temos que respeitar a Declaração dos Direitos Humanos, pois as pessoas são o que elas querem ser, e devem ter a possibilidade de retificar o nome sem a judicialização”, argumenta.

Já existem alguns exemplos na América do Sul que podem ser seguidos pelo Brasil. A Bolívia, em 2016, e Colômbia, em 2015, garantiram às pessoas Trans o direito de fazerem a alteração de nome em cartórios de seus respectivos países. “O IBDFAM entende que a sociedade não deve julgar, mas, sim, garantir o direito de cada cidadão ser quem ele bem entender. A partir do momento que a pessoa tem uma identidade de gênero diferente do seu sexo e não existe uma lei que a proteja, nós estamos violando os seus direitos e as colocando em situações humilhantes e vexatórias”, explica Gorisch.

A falta de regras sobre o assunto sempre dividiu os Tribunais brasileiros, com decisões que admitem a possibilidade e outras que condicionam a alteração do nome à realização da cirurgia, que tem custo alto em hospitais particulares e a espera no Sistema Único de Saúde (SUS) pode chegar a 10 anos. Além disso, conforme levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil, 2016 foi o ano com o maior número de assassinatos da população LGBT no país, com 347 mortes. “Se a possibilidade de mudança de nome for reconhecida, a sociedade vai perceber que essas pessoas têm os mesmos direitos das demais e a violência começará a diminuir”, alerta Patrícia Gorisch.

Nos últimos anos, o Instituto vem sendo aceito como amicus curiae em relevantes causas do Direito de Família no Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre as suas participações, destacam-se: a União Estável Homoafetiva ADI 4277/ADPF 132 (2011), Lei Maria da Penha ADC 19 (2012) e alteração do nome de transexuais ADI 4275. No julgamento da União Estável Homoafetiva, o IBDFAM, representado pela vice-presidente Maria Berenice Dias, em conjunto com outras entidades com objetivo comum, contribuiu decisivamente para o reconhecimento de todas as formas de família.

“O IBDFAM é precursor disso tudo, porque sempre atuou em fatos históricos do nosso país e força a atuação dos sistemas legislativo e judiciário. Tenho certeza de que no futuro teremos estudiosos dividindo a história do Direito das Famílias no Brasil como: antes e depois do IBDFAM”, completa Patrícia Gorisch.

EXÉRCITO CONDENADO

A Justiça Federal determinou, no início deste mês, que o Exército Brasileiro pague o valor de R$ 60 mil a uma estudante transexual de 19 anos. A condenação histórica se deve a perseguição sofrida pela jovem ainda em 2015, após ela ter passado pelo Serviço de Alistamento Militar em Osasco, no estado de São Paulo. É a primeira vez que uma força armada nacional é sentenciada neste tipo de ação.

A decisão acontece um ano e oito meses após a estudante ter sido fotografada por militares dentro do quartel e ter tido sua imagem espalhada pelas redes sociais. Além disso, foram divulgadas informações como ficha de inscrição, nome de registro e certificado de alistamento. Patrícia Gorisch atuou no caso como advogada de defesa da estudante. Segundo ela, após a repercussão, outras meninas trans também relataram o problema.

“A vítima começou a receber ligações e questionamentos sobre quanto ela cobraria para fazer programa. Ela morava perto de uma praça e alguns homens chegaram a rondar a residência por alguns dias. A situação ficou insuportável e a estudante, que morava com a mãe e a avó, precisou se mudar de casa”, detalha a advogada.

O Exército veio a público falar sobre homofobia e discriminação. Em uma nota, a corporação admitiu a divulgação, sem autorização, das informações da jovem, durante o processo do Serviço Militar Obrigatório. Conforme a decisão, da 1ª Vara da Justiça Federal de Barueri (SP), ficou comprovado que o Exército é responsável pelos danos materiais e morais causados pelos agentes da corporação.

“É um alento para as meninas que passam por esse constrangimento. O Judiciário está dando uma resposta de que não existe mais essa certeza da impunidade. Hoje este paradigma é quebrado, e é uma passo histórico na luta contra a transfobia no Brasil”, complementa Patrícia Gorisch.