Em decisão recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou provimento ao recurso de uma mulher que pretendia incluir na partilha do divórcio o imóvel no qual residia com o ex-marido. O entendimento é de que imóvel com cláusula de inalienabilidade temporária não entra na partilha de bens do divórcio de um casal que se separou de fato durante o prazo restritivo, sendo indiferente se a sentença de divórcio foi proferida após esse período.
Conforme consta nos autos, o bem foi doado ao homem em 2006, com registro em cartório em 2009, e expressa proibição de permuta, cessão, aluguel, venda ou qualquer outra forma de repasse pelo prazo de dez anos. Ao recorrer ao STJ, a mulher alegou que, quando a sentença de divórcio foi proferida, em setembro de 2016, o prazo de dez anos da cláusula de inalienabilidade já havia transcorrido, e o imóvel tinha passado a integrar o patrimônio comum do casal.
Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, o artigo 1.668 do Código Civil prevê os casos de bens que são considerados particulares mesmo no regime da comunhão universal; no inciso I, exclui da comunhão os “bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar”.
O ministro destacou que, nessa hipótese, o donatário não pode praticar nenhum ato de disposição pelo qual o bem passe à titularidade de outra pessoa, “e é exatamente em decorrência dessa mutilação ao direito de propriedade (perda do poder de dispor) que o bem doado gravado com cláusula de inalienabilidade configura um bem particular do donatário e não integra o patrimônio partilhável no regime da comunhão universal de bens”.
Bellizze acrescentou que o entendimento foi cristalizado na Súmula 49 do Supremo Tribunal Federal – STF, segundo a qual “a cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens”.
Regime de bens
Ao decidir, o relator considerou que o casamento ocorreu em 20 de maio de 2012, sob o regime de comunhão universal, e que o casal está separado desde março de 2013, sem possibilidade de reconciliação. A extinção do vínculo conjugal, segundo o magistrado, dá-se pela invalidade do casamento, pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, de modo que, a partir desses marcos, não mais persistem os efeitos do matrimônio.
O ministro também ressaltou que, no caso de separação de fato, também incide, por analogia, a regra da separação judicial ou extrajudicial prevista no artigo 1.576 do Código Civil – que tem como um dos seus efeitos o fim da eficácia do regime de bens. Citou ainda o entendimento do STJ de que os bens adquiridos durante a separação de fato não são partilháveis com a decretação do divórcio.
“Considerar como termo final do regime de bens a data da sentença de divórcio poderia gerar situações inusitadas e injustas, já que, durante o lapso temporal compreendido entre o fim da sociedade conjugal e a sentença de divórcio, um dos cônjuges poderia adquirir outros bens com recursos próprios ou até mesmo com o esforço comum de um novo companheiro (haja vista o fim do dever de fidelidade e a possibilidade de constituição de união estável), mas que seriam incluídos na partilha de bens do relacionamento extinto”, frisou Marco Aurélio Bellizze.
O ministro concluiu que a separação de fato ocorreu quando ainda vigorava a cláusula de inalienabilidade. Deste modo, o imóvel doado não integrava o patrimônio do casal, devendo ser reconhecida a sua incomunicabilidade. O número do processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Efeitos jurídicos
Para o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o acórdão do STJ externou a realidade que existe no Direito brasileiro desde o reconhecimento dos efeitos jurídicos do fim do casamento a partir da separação fato, e não mais apenas quando fosse decretada a separação judicial ou o divórcio.
“Não fazia nenhum sentido ela pretender que a partilha se desse, porque teriam passado dez anos quando foi decretado o divórcio. Não é o divórcio que decide o regime de bens ou que termina com o regime de bens. É a separação de fato”, frisa o especialista.
Rolf destaca que a sentença consagra o que doutrina e jurisprudência já consolidaram. “Não tem mais nenhuma dúvida dos efeitos jurídicos da separação de fato.”
O jurista lembra que o tema já é tratado há pelo menos trinta anos. “A sociedade já está protegida desde muito tempo. O Código Civil precisa se adaptar, regulamentando também os efeitos jurídicos a partir da separação de fato”, conclui.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)