A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ entendeu não ser possível a colocação em prisão domiciliar do devedor de pensão alimentícia durante o período de pandemia causado pelo novo Coronavírus. O colegiado firmou tese que suspende a prisão civil para depois ter o cumprimento no momento processual oportuno.
A decisão veio no julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, que manteve a prisão de um cidadão por não ter pago as prestações da pensão que venceram posteriormente ao pedido de extinção da execução de alimentos.
Ao julgar o caso, o TJSP destacou que o devedor quitou os débitos alimentares até outubro de 2019, momento em que pediu a extinção da execução. No entanto, a partir daí, deixou de pagar, o que resultou na decretação da prisão, em janeiro de 2020.
A defesa do homem recorreu e argumentou que, no cenário de pandemia da Covid-19, recomenda-se a substituição da prisão civil em regime fechado pela domiciliar, dada a situação de vulnerabilidade da população carcerária. Ainda sustentou que toda a dívida acumulada já havia sido quitada e que, após o pedido de extinção da execução, os pagamentos continuaram sendo feitos mensalmente, mas de forma parcial.
No julgamento, o STJ lembrou que o artigo 6º da Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ orienta que, em virtude do atual contexto epidemiológico, as pessoas presas por dívida alimentícia sejam colocadas em prisão domiciliar.
Os magistrados destacaram, entretanto, que a concessão de prisão domiciliar aos alimentantes inadimplentes relativizaria o disposto no artigo 528, parágrafos 4º e 7º, do Código de Processo Civil de 2015, que autoriza a prisão civil em regime fechado quando devidas três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.
Desta forma, a corte concluiu que, em virtude da situação emergencial na saúde pública e como não é possível a concessão de prisão domiciliar, admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores de pensão alimentícia em regime fechado, enquanto durar a pandemia. A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra.
Opinião contrária
O advogado Leonardo Vieira Carvalho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família da Seção do Distrito Federal – IBDFAM-DF, discorda do entendimento dos ministros. Para ele, o pedido feito no habeas corpus foi a substituição da prisão civil em regime fechado, pela modalidade domiciliar, com fundamento no cenário de pandemia da Covid-19.
“Ao retirar a possibilidade de prisão domiciliar, mesmo que não tenha o caráter coercitivo igual acontece na prisão civil, pode-se criar uma sensação de ‘alforria’ ao devedor, mitigando com isso a importância do bem jurídico tutelado”, explica
Esse efeito, para o especialista, é prejudicial aos interesses do credor, que depende do pagamento de alimentos para o suprimento de suas necessidades mais básicas, principalmente, neste momento de pandemia. “Entendo que poderia ter sido concedido a ordem de habeas corpus, determinando que as condições de cumprimento da prisão domiciliar seriam estipuladas pelo juiz estadual, podendo, inclusive, estipular a duração, levando em conta as medidas adotadas para a contenção da pandemia naquele estado”, opina.
Dispositivos auxiliam
O advogado afirma que a decisão entendeu estar em jogo a dignidade do alimentando, estando vulnerável diante do momento que estamos passando. “Não obstante, como discordo da decisão proferida pelo Ministro, entendo que a prisão civil do devedor de alimentos está expressamente prevista em nosso ordenamento constitucional, conforme preceitua o art. 5º, inciso LXVII”, diz.
Leonardo Carvalho explica que a referida previsão constitucional também decorre do que está previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário: “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Ele destaca:“A restrição do direito de liberdade do devedor é tida como indispensável à garantia da própria sobrevivência ou, ao menos, da satisfação de necessidades essenciais do credor.O Código de Processo Civil estabelece, no § 3º do art. 528, a possibilidade de decretação de prisão do devedor’”.
O presidente do IBDFAM-DF lembra que a própria possibilidade da prisão civil constitucionalmente prevista, a despeito de constituir fundamento da restrição de direito, é uma garantia fundamental, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora e também do devedor.
“Assim, a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que autorizou a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar para evitar a propagação da doença, também tem como objetivo evitar a ‘alforria’ ao devedor para resguardar a dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora”, ressalta.
Outra tomada de decisão
Para Leonardo Carvalho, poderia ter sido concedida a ordem de habeas corpus determinando que as condições de cumprimento da prisão domiciliar sejam estabelecidas pelo Juízo a quo, levando-se em consideração as peculiaridades do caso e de cada estado.
“Isso pode, inclusive, determinar o uso de tornozeleira eletrônica, se possível for, e, sem prejuízo de eventual aplicação concomitante de outras medidas alternativas. Ademais, poderia se valer de outras alternativas impostas ao suspender o decreto de prisão do devedor, determinando a retenção de documentos, caso do passaporte e da carteira de motorista, com fundamento no art. 139, IV, do Código de Processo Civil”, finaliza.