Uma trabalhadora que teve indeferido pelo empregador o direito à licença-gala após formalizar união estável com sua companheira não tem direito a indenização por danos morais, conforme decisão da Vara do Trabalho do Gama, no Distrito Federal. A juíza reconheceu que o benefício deve ser estendido aos casos de formalização de união estável, seja homo ou heteroafetiva, mas entendeu que, no caso, não ficou provado que a negativa tenha sido por discriminação.

Conforme os autos, a trabalhadora foi admitida em agosto de 2020, por meio de contrato de trabalho por tempo determinado, na função de auxiliar de serviços gerais. Em outubro, após formalizar, em cartório, a união estável mantida com sua companheira, dirigiu-se ao setor de recursos humanos para obter informações acerca de seu direito à licença-gala, prevista no artigo 473, inciso II da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O direito, contudo, foi negado porque, segundo a trabalhadora, o empregador disse que tal benefício não era previsto na CLT e nem no seu regimento interno.

A mulher acionou a Justiça do Trabalho por entender que foi alvo de discriminação, com indícios de que a negativa teria se dado em razão de sua orientação sexual, requerendo o pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10 mil. Em sua defesa, o empregador justificou que o dispositivo da CLT prevê a concessão de licença-gala em virtude de casamento, sem qualquer menção à união estável, seja esta entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos opostos. Argumentou, ainda, que o benefício não está previsto em seu regimento interno.

Interpretação gramatical

Segundo a juíza, antes de analisar a alegada discriminação por orientação sexual, é preciso saber se a licença-gala é cabível apenas para o casamento ou se abrange a união estável, independentemente da orientação sexual do casal. Ela destacou que o dispositivo legal usa o termo “casamento”, portanto, em uma interpretação meramente gramatical, o empregador não teria desrespeitado a lei.

Ressaltou, porém, que as normas devem ser analisadas com base no ordenamento constitucional. “Toda e qualquer norma jurídica necessariamente deve ser analisada e interpretada sob o enfoque da Constituição Federal de 1988 – posterior portanto à norma que criou a licença-gala –, a qual impõe que ambos os institutos – casamento e união estável – têm como finalidade a constituição de entidade familiar”.

A magistrada também lembrou que, em julgamento de recurso com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu a igualdade entre cônjuges (casamento) e companheiros (união estável) para fins sucessórios, e que essa igualdade jurídica não deve se limitar à seara sucessória, devendo ser expandida a todo o ordenamento jurídico cuja norma tenha a finalidade de privilegiar, proteger e promover a constituição da entidade familiar, como é o caso da licença-gala.

Fatores discriminatórios

Para a juíza, a trabalhadora não conseguiu comprovar, nos autos, que a negativa da empresa em lhe conceder a licença tenha se dado por fatores discriminatórios, e, portanto, negou o pleito de indenização. Segundo ela, a justificativa apresentada pelo empregador, embora restritiva se analisada sob o enfoque constitucional, é coerente e lógica. O erro de interpretação “é plausível, dada a literalidade do artigo celetista e à ausência de discussão do assunto na jurisprudência trabalhista, não se revestindo necessariamente de conteúdo discriminatório”.

“Ao contrário, da forma como expostos os fatos, independentemente de a união estável da reclamante ter sido feita com companheiro ou companheira, a licença teria sido negada. Repise-se, não há provas de que em caso de união estável entre um homem e uma mulher a reclamada tenha agido de forma diversa”, ponderou a magistrada, e acrescentou que “se houvesse pedido para concessão da licença-gala ou indenização pela sua não concessão, o pleito seria julgado procedente.”

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TRT-10)