A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal – TRF da 4ª Região reconheceu, no mês de setembro, uma união estável a partir de prova exclusivamente testemunhal. A partir do entendimento, foi determinado o pagamento de pensão à companheira de homem já falecido. Em abril de 2016, a mulher entrou com ação contra o INSS após o instituto previdenciário não lhe conceder o benefício. A alegação era de que a união estável não havia sido comprovada documentalmente.
A requerente pleiteou o pagamento retroativo, contando desde dezembro de 2015, ocasião de morte do companheiro. A decisão do TRF-4 considerou que o falecido era responsável pelo aluguel da casa em que o casal morava e pela mensalidade da faculdade da companheira. Com a morte, ela não conseguia suprir essas necessidades.
O juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Três de Maio, no Rio Grande do Sul, já havia julgado procedente o pedido em 2017. O INSS recorreu ao Tribunal, que foi unânime ao negar provimento ao recurso e manter a pensão determinada. Sobre a admissão de prova exclusivamente testemunhal, o desembargador João Batista Pinto Silveira, relator do caso, considera que essa já é questão pacificada pelo Tribunal.
O acórdão ressalta que documentos constantes, coadunados à prova oral, confirmam a relação de companheirismo e dependência econômica entre o casal. Também foram considerados depoimentos de testemunhas, contrato de faculdade da companheira e página em rede social mantida conjuntamente pelos dois.
Princípio da proteção social
A decisão do TRF-4 esbarra na Lei 13.846/2019, que acrescentou à Lei 8.213/1991 com disposições sobre Planos de Benefícios da Previdência Social. Em seu artigo 16, parágrafo 5, a legislação passou a determinar que as provas exclusivamente testemunhais, de união estável e de dependência econômica, não devem ser admitidas, “exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento”.
Segundo Melissa Folmann, presidente da Comissão de Direito Previdenciário, a decisão seguiu a jurisprudência pacífica sobre o tema. “Com a alteração promovida pela Lei 13.846/2019, há uma forte tendência de que o posicionamento venha a ser revisto nesses casos. Porém, há argumento de que a exigência de prova material fere o sentido da proteção social norteadora da pensão por morte”, comenta a advogada.
Para ela, a medida sancionada em 2019 é um retrocesso. “A legislação (de 1991) fora pensada no sentido de admissibilidade da prova exclusivamente testemunhal porque atendia a realidade das famílias, especialmente as carentes, em que a mulher não consegue documentos comprobatórios de algo conhecido pela sociedade”, afirma Melissa.
A recente norma traz prejuízos à sociedade civil à medida em que não acompanha a realidade de muitas famílias, segundo Melissa. Além disso, ao presumir possibilidades de fraudes, implementa uma hierarquia entre provas e acaba por desservir os mais vulneráveis.
“O prejuízo social é incalculável porque a nova disposição legal desconsidera as famílias hipossuficientes, abre mais uma diferença entre classes sociais, negando a situação da mulher que ainda não tem documentos em seu nome. A alteração legislativa estaria correta se a situação da mulher na sociedade brasileira fosse diferente. Precisamos tirar as vendas e trabalhar com a realidade”, propõe a advogada.
Reconhecimento de várias formas de união
Segundo Melissa, o reconhecimento das uniões estáveis no Direito Previdenciário já opera em bases sólidas e a jurisprudência tem sido fortemente favorável nesses casos. “Inclusive já há decisões reconhecendo o direito à pensão por morte para condições de poliamor”, acrescenta.
“Importante destacar que no caso de pensão por morte para servidores públicos, os próprios órgãos previdenciários têm reconhecido as uniões estáveis, evitando a judicialização. Portanto, se o patrono da demanda souber trabalhar, especialmente na audiência, com os elementos da configuração da união estável, certamente, o êxito virá”, acredita Melissa.
Na última quarta-feira (25), o Supremo Tribunal Federal – STF discutiu se um homem e uma mulher que tinham relacionamento estável simultâneo com o mesmo homem, já falecido, devem dividir a pensão por morte paga pelo INSS. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, adiou a votação quando o placar estava em 5 a 3 votos a favor da divisão da pensão.
Para Melissa, esse é o momento de o Tribunal sanar um déficit histórico com famílias que vivem à margem da tutela jurídica. “Espero que o STF siga a linha do reconhecimento do Direito, sob pena de criarmos ficções jurídicas. Digo isso porque o Direito deve representar a sociedade e não colocar uma venda nos olhos, negando o mundo fático”, assinala.