“Masculino”, “Feminino” ou “Intersexual”. Ao se preencher o campo “Gênero” nas certidões de nascimento, as três opções serão possíveis. Pelo menos é o que pretende o Tribunal Constitucional da Alemanha, que, há alguns dias, fez a solicitação junto ao governo do país europeu. Em sua sentença, a instituição utilizou como argumento o direito constitucional à proteção da personalidade, a fim de garantir – às pessoas que não se consideram nem homem nem mulher – a alternativa de inscrever sua identidade de gênero simplesmente como “positiva”. Uma estimativa aponta que, atualmente, existem cerca de 80 mil intersexuais na Alemanha.
“Um passo importante”. É assim que Marianna Chaves, presidente da Comissão de Biodireito e Bioética do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), define a ação do júri alemão. Para ela, o Tribunal “andou bem” ao abrir portas à possibilidade de uma criança não ser registrada com o sexo feminino ou masculino. Ela acrescenta que, em 2013, a Alemanha já havia permitido que simplesmente se deixasse em branco a indicação do gênero. “Agora, o Tribunal Constitucional alemão impôs ao Legislativo que crie uma terceira possibilidade, um terceiro gênero”, esclarece.
Conforme a mestra em Ciências Jurídicas, pesquisas estimam que quase 2% da população mundial nasce com traços intersexuais. Essas pessoas, portanto, não apresentam características típicas dos gêneros feminino e masculino. “A necessidade de se enquadrar em um dos dois gêneros fez e continua fazendo com que essas crianças sofram graves violações de direitos humanos – como mutilações – para que possam se adequar a determinado gênero. Essa decisão da Alemanha revela respeito à intimidade e à privacidade dessas crianças, além de salvaguardar seus direitos à incolumidade física e à saúde”, enfatiza.
Chaves, entretanto, não demonstra otimismo quanto à legislação brasileira, no que diz respeito a essa mesma questão. De acordo com ela, o Brasil vive uma “preocupante onda de conservadorismo”. “Assiste-se diariamente a tentativas de negação da existência e dos direitos da população LGBTI, onde a letra “I” refere-se aos intersexuais. Cotidianamente, assistimos manifestações nas nossas tribunas, onde se confunde gênero com identidade de gênero, gênero com orientação sexual, e coloca-se tudo sob o epíteto de ‘ideologia de gênero’”.
A especialista arremata: “No nosso panorama legislativo atual, acho pouco provável que nos próximos tempos alguma legislação brasileira coloque fim ao binarismo masculino/feminino, homem/mulher. Se temos um Legislativo conservador, o Judiciário brasileiro pode ser reputado bastante avançado e, certamente, os nossos julgadores poderão se inspirar na decisão alemã, caso algum evento relativo ao gênero de uma criança intersexual vá bater às portas dos nossos tribunais”.
Agora, conforme a sentença, a Câmara dos Deputados alemã tem até o final de 2018 para aprovar a decisão do Tribunal Constitucional.